sábado, 5 de fevereiro de 2011

A PRAIA


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Terça-feira. A praia estava vazia, apesar do dia quente e do sol brilhante. Uma praia de difícil acesso, dessas procuradas mais para piqueniques do que para o bronzeado de cada dia. Pequena, com sua faixa de areia delimitada por duas enormes pedras e com um bosque no fundo, não eram muitos os que sabiam de sua existência. Da estrada, que se situava muitos metros acima, não era vista. Nos fins de semana, alguns carros estacionados no acostamento sugeriam a sua existência. Mas era uma terça-feira, e apesar do azul do céu e da transparência das águas verdes, era dia de trabalho. Apenas o carro de Rubens e um outro - talvez de mais alguém de férias - estavam parados na estrada.
Ele acabara de descer a estreita trilha por dentro da mata e pisava a fina e branca areia da praia. Estava com um amigo - Miguel - a quem hospedava por alguns dias, e não queria que ele voltasse para a sua terra sem conhecer todas as belezas da sua cidade.
Mas por que o havia trazido ali? Era apenas mais uma prainha, linda, mas tão bonita quanto dezenas de outras que havia nas redondezas, embora esta, particularmente, lhe trouxesse muitas lembranças. Agradáveis? Nem sabia ao certo. Talvez por causa dessas indefinidas lembranças é que jamais houvesse voltado, preferindo tentar esquecê-las.
- Veja, Miguel, que beleza! Pouca gente conhece este recanto. Não é uma maravilha?
- É mesmo. Esta mata aqui atrás, esta trilha de acesso... Dão-nos a impressão de sermos pioneiros...
- Eu só estive aqui uma vez. - Rubens falou, reticente.
- Uma vez? E morando toda a sua vida nesta cidade? Rubens, esta praia não é tão longe assim. Se eu tivesse um paraíso destes perto de casa, seria o meu local favorito para descanso e meditação!
- Pois é. Mas não tive motivos para voltar. Sabe quando estive aqui? Há trinta anos...
- Trinta anos! E nunca mais voltou? Menos ainda entendo. Por que você se lembrou de trazer-me, então?
- Não sei... Mas valeu a pena, não é mesmo? Veja só, nada mudou. Parece-me que foi ontem... Apenas aquela amendoeira não existia, na época. Era difícil conseguir-se uma pequena sombra, nas beiradas da mata.
Havia uma jovem senhora já sentada sob a generosa árvore, o que provocou um comentário de Miguel:
- É melhor armarmos a barraca, pois a sombra continua difícil...
Instalaram-se, comodamente. Rubens ofereceu uma lata de cerveja ao amigo. Catou-a entre as pedras de gelo, no isopor, e estendeu-a a Miguel, que a abriu com o estalido característico.
- Esse estalo aumenta ainda mais a sede - brincou. Após sorver o primeiro gole, provocou a continuação do assunto interrompido.
- Por que você disse que não teve motivos para voltar?
- Talvez porque teria sido simples saudosismo. Eu vou lhe dizer uma coisa: muitas vezes recebi como que um chamamento para vir aqui, uma sensação difícil de explicar, sabe? Mas sempre relutei em atender a mim mesmo...
- Mas, como? Que chamamento é esse?
- Maneira de dizer, apenas... É que às vezes acordo pensando nesta praia, nas coisas que aconteceram por aqui e me vem uma vontade muito forte de rever este local. Mas para quê? Nada mais vai acontecer...
- Mas você está muito reticente... O que houve, afinal?
- No dia em que vim aqui, Miguel, acho que deixei escapar uma bela oportunidade de ser feliz...
- Ora essa... e você não é feliz?
- Sim, sou... Mas eu me refiro a um outro tipo de felicidade. Sabe, eu tenho tudo o que quero, exceto... uma família... Não é fácil chegar à minha idade sozinho, sem ter com quem repartir os dias e as noites...
- E que oportunidade teria sido essa, que foi perdida em uma praia tão deserta? Se hoje ela está assim, imagine há trinta anos atrás...
- Pois é para você ver. As oportunidades estão onde menos se espera, ainda que às vezes, ou quase sempre, as deixemos escapar. Mas naquele dia a praia não estava assim tão deserta. Havia um grupo bem grande, num animado piquenique. Eu, sim, é que estava sozinho comigo mesmo...
- Como você veio parar aqui?
- Era difícil... Naquela época, só se vinha aqui de ônibus, mas eram apenas quatro ou cinco horários por dia. Se se perdesse o último, que voltava para a cidade ainda cedo, tinha-se que dormir na praia. Mas eu tinha espírito esportivo, gostava de conhecer tudo e todos...
- E o que aconteceu?
- Quase uma tragédia, Miguel. Mas felizmente tudo acabou bem.
- Uma tragédia?
- Sim. Vê essas águas, tão calmas? Pois naquele dia o mar estava violento e perigoso, de grandes ondas batidas que arrastam tudo em seu retorno. Não como hoje, essa lagoa morna e deliciosa.
- Custo a acreditar que essas águas possam ficar perigosas.
- Pois é, mas estavam, e muito. Tanto que todos daquele grupo - vim a saber depois que formavam uma família - não passavam da beira da água e mal molhavam os joelhos.
- Não é para menos.
- Mas entre eles havia uma jovem, de mais ou menos dezesseis anos, que logo me chamou a atenção. E da maneira como ela, de longe, me olhava, logo vi que também ficou impressionada comigo. Pudera, eu tinha vinte anos, era bonitão... Mas ficamos apenas nos olhares.
- Imagine, você se aproximar de uma menina, naquela época, em frente de toda a sua família...
- Nem pensar. Por isso mesmo contentamo-nos com o “flirt” silencioso, com chamávamos na época... Dentro da água, ela era a mais afoita. A toda hora ensaiava enfrentar as ondas revoltas, com a pouca responsabilidade que sua juventude lhe conferia. Aquilo provocava constantes repreensões de seus familiares, e muita apreensão em mim, também. Ela nadava bem, mas eu conheço as águas traiçoeiras de todo esse litoral. E o pior não tardou a acontecer. Numa daquelas investidas mar a dentro, a moça foi subitamente tragada pela correnteza, e por mais que tentasse não conseguia voltar. Assustados, seus familiares correram até onde eu estava, pedindo socorro. Não havia mais ninguém a quem recorrer e nenhum deles nadava tão bem a ponto de enfrentar aquelas águas. Não hesitei - e antes mesmo que eles se aproximassem eu já corria para a água e me atirava ao mar. Com muito custo acerquei-me dela, que lutava bravamente. Consegui segurá-la pelos cabelos. Tinha-os longos e soltos. Mas uma vaga maior arrebatou-a de mim. E eu a vi, debatendo-se no meio da espuma, desaparecer da minha vista. Procurei-a por todos os lados, na angústia de quem a tinha tido nas mãos e a havia perdido. Ainda lutei contra as águas por muito tempo, mas em vão. Depois, exausto, retornei à praia.
- E por que você disse que foi quase uma tragédia ? A moça foi salva ?
- Deixe-me continuar. Lembro-me que o desespero tomou conta de todos, quando me viram voltar sozinho. Não sabiam o que fazer, impotentes diante daquela imensidão de águas revoltas. Juntei-me a eles, na procura que já julgávamos inútil. Disseram-me, entre lágrimas, serem do interior e que estavam a passeio, jamais imaginando que tamanha tragédia pudesse vir a acontecer. Inutilmente buscava palavras de consolo, porque também eu estava precisando delas.
- E então?
- Nenhum de nós, agora irmanados pela tragédia, conseguia admitir aquela fatalidade. Sobretudo eu, que havia tido a moça em minhas mãos. Foram longos e horríveis momentos de uma espera angustiante que nos parecia inútil.
Rubens fez uma pausa, e continuou:
- De repente, divisei ao longe, muito além da arrebentação, um pequeno ponto negro sobre as águas. Era a jovem, que flutuava de braços abertos, com certeza consciente de que precisava descansar onde o mar estava mais calmo, antes de voltar à luta. Não se movia, mas eu sabia que ela estava bem. Novamente atirei-me às águas, e com muito esforço desta vez consegui trazê-la, semi-desfalecida, para a areia da praia. Aos poucos foi-se reanimando, até que abriu os olhos.
Novamente Rubens calou-se por instantes. Olhou para Miguel, que acompanhava o relato com interesse. Sorveu um gole de cerveja e sorriu, tentando dissimular a emoção.
- Dois grandes olhos negros, que eu via agora bem de perto... Imagine... Eu estava ajoelhado e sua cabeça descansava em meus braços. Seus familiares rodeavam-nos, ainda apreensivos, em silêncio. Sua mãe olhava-me como se eu fosse um herói a devolver-lhe a vida da filha. “Você a salvou”- disse - “Isso não tem preço...”. E me abraçou.
- Rubens, você foi um herói. Isso deve ter marcado você profundamente.
- E como...Mas marcou-me muito mais o que aconteceu depois.
- O que foi?
- Assim que a menina abriu os olhos, Miguel, encontrou os meus. Por alguns segundos nada disse. Senti que me olhava com tanta ternura que tive receio que os outros percebessem alguma coisa.
Todos, em volta, falavam ao mesmo tempo, sua mãe acariciando-lhe os cabelos, mas tanto eu como ela estávamos alheios àquela algazarra, agora festiva. Nada ouvíamos. Ela, então, perguntou-me: “Que dia é hoje?” Estranhei a pergunta, mas disse-lhe o dia - um domingo - e ela sorriu para mim, sem tirar os olhos dos meus. Quando respondi, pareceu-me aliviada, não sei bem de quê. Mas era natural. Enfim, estava salva. Mas fiquei com a impressão que não era só por isso. Havia mais alguma coisa, que eu nunca soube o que seria. Em seguida, perguntou o meu nome. “Rubens”- falei. Ela fez uma pausa, como se precisasse de um pouco de tempo para compreender o que estava se passando. Depois, disse: “Eu voltei... Eu sabia que você me salvaria... Rubens...”. Nunca mais esqueci suas palavras, até hoje sem explicação para mim.
- Mas que história...
- Pois é. Então, em seguida lentamente ela se levantou, e eu fiz o mesmo. Ficamos de frente um para o outro. Foi minha vez de perguntar: “E o seu nome, qual é?” “Raquel”- disse ela. Pouco depois afastou-se com o grupo, que não se cansava de agradecer a minha oportuna intervenção. Fiquei ali, na beira da água, vendo-a distanciar-se. Estranho, não?
- E nunca mais a viu?
- Nunca mais.
- Mas você nem tentou...
- Tentar o quê, Miguel? A coisa acabou ali, ela era do interior, não sei nem de onde... Tentar o quê?
- Você a reconheceria?
- Quem sabe? O tempo passou, mas aqueles grandes olhos negros ainda devem ter o mesmo brilho. Olhos não mudam... Ela era uma linda menina...
- ...que poderia ter mudado a sua vida...
- Pois é. Mas não se vive de sonhos.
- Onde estará essa moça, agora? Se isso se deu há trin-ta anos, deve estar com uns... quarenta e seis...
- Casada, cuidando do marido e dos filhos em uma cidade qualquer do interior. Com certeza já esquecida do anjo bom que a salvou.
As lembranças de Rubens haviam tocado Miguel. Ele também era do interior, tinha mulher e filhos e era feliz. Pó-dia imaginar como o amigo se sentia. Nunca se casara, não conhecia o prazer de uma vida em família. Por certo não teria sido apenas pelas lembranças de Raquel que ele ficara solteiro, pois esta ele mal conhecera. Mas quem sabe, como ele mesmo disse, se os tempos fossem outros...
Haviam-se calado, os dois. Cada um ruminava seus próprios pensamentos, respeitado pelo outro.
De repente viram alguém que se aproximava, pelo mar, em vigorosas braçadas. Era um exímio nadador.
- Veja, Miguel, olhe aquele louco. De onde poderá ter vindo, de tão longe?
- É um bom nadador, sem dúvida. Olhe como se apro-xima rapidamente.
- Só mesmo com o mar calmo como está hoje é que isso está sendo possível. Se as águas estivessem como naque-le dia...
- É verdade. Mas olhe, é uma mulher, a corajosa. E co-mo nada bem, a moça! Mais algumas braçadas e poderá tocar na areia da praia.
Mal Miguel acabara de falar a moça se pôs de pé, com a água batendo-lhe nos joelhos. Vestia um maiô preto, de uma só peça, bastante recatado. Vinha saindo de dentro d’água bem em frente onde estavam os dois amigos. De repente parou, ainda dentro dágua e correu os olhos lentamente por toda a praia. Olhou para um lado, para o outro, e voltou-se novamente para o mar, como se procurasse alguém. Parecia desnorteada. Avistou a barraca dos dois amigos e sem hesitação dirigiu-se a ela.
Podiam vê-la bem, agora.
- É uma menina ainda, Rubens. O que faz essa moça, sozinha, nadando vinda não sei de onde para esta praia?
Rubens não tirava os olhos da moça. Ela já se aproximara bastante. Aqueles olhos, aqueles cabelos longos... Rubens segurou fortemente o braço do amigo, apertando-o nervosamente.
- Miguel... Miguel...
Miguel estranhou a atitude de Rubens, que continuava olhando para a moça.
- O que foi, Rubens?
- Ela... ela...
Rubens não conseguiu dizer mais nada. A menina estava já em frente a eles, e tinha uma estranha expressão de in-compreensão e espanto. Foi ela quem se dirigiu a eles:
- Por favor, os senhores já estão aqui há muito tempo?
A mesma voz... Rubens parecia uma estátua, rígido como pedra. Foi Miguel quem respondeu a pergunta.
- Sim, talvez há pouco mais de uma hora. Por quê?
- Não viram um grupo aqui na praia? Minha família... Meu Deus, eles não iriam embora... Mas não há ninguém aqui...
A jovem estava assustada. Parecia não compreender a situação que se lhe apresentava. Olhava para todos os lados, visivelmente aflita.
- Você veio com sua família? - perguntou Miguel.
Ela não respondeu.
- Essa praia é tão pequena...Vocês não viram mais ninguém por aqui?
- Não, minha filha. No meio da semana isso aqui é um deserto. E você, veio de onde?
- Meio da semana? Mas hoje não é domingo?
- Hoje é terça-feira...
A moça abriu ainda mais seus grandes olhos negros. Rubens continuava paralisado.
- Dois dias... Dois dias? - levou as duas mãos ao rosto - meu Deus, onde estive? Mas eles não iriam embora! Dois dias...
Miguel sentiu que ela fraquejava. Levantou-se, amparando-a. Evitou, mesmo, que seus joelhos dobrassem.
- Vamos, sente-se aqui. Conte-nos o que houve.
Ela sentou-se ao lado de Rubens, que permanecia em estado de choque. Miguel ajoelhou-se à sua frente.
- Ah, meu senhor, eu estou tão confusa! Eu não sei de mais nada...
- Mas procure lembrar-se. Nós vamos ajudá-la.
- Nós viemos passar o dia na praia...
Fez uma pausa. Olhava alternadamente para ambos, como quem pedia socorro.
- Mas isso foi domingo... E hoje é terça?
O pranto reprimido, nervoso, veio à tona. Não conseguia falar. Suas palavras eram abafadas pelo choro convulso.
Fosse pela surpresa do repentino aparecimento da moça, fosse pela curiosidade crescente que ela lhe despertava, o fato é que Miguel não ligou a cena à história que Rubens lhe havia contado.
Lentamente, Rubens voltou-se para ela e acariciou-lhe os cabelos. Sua voz, entretanto, continuava travada na garganta. A moça continuou:
- Nada faz sentido... O mar estava tão revolto... Fui tragada pelas ondas e me vi sozinha, lutando contra as águas que me arrastavam para o fundo... Não sei o que houve, então... não me lembro... Sei apenas que me vi nadando de volta, sem dificuldades. O mar agora está tão calmo... Mas, meu Deus, dois dias! O que aconteceu comigo nesses dois dias? Onde está a minha família?
Agora, também Miguel começava a ficar desconcertado. Nem ele podia imaginar o que estava acontecendo e prometia, sem saber como cumprir a promessa, ajudar a moça.
Angustiada, ela suplicava-lhe com o olhar.
- Por favor, meu senhor...
Ele não sabia o que dizer. Estava atônito. Pensou que talvez fosse um caso de atordoamento passageiro, pela demorada exposição à água e ao sol. Mas de onde ela vinha, que nem mesmo sabia dizer?
Então, foi Rubens que se voltou para ela, sentada ao seu lado, e perguntou-lhe num fio de voz:
- Raquel... ?
Assustada, a moça levantou-se de um salto.
- Como sabe o meu nome?... Quem são vocês?...
Rubens abaixou a cabeça e escondeu-a entre as mãos. Era ele, agora, que não conseguia conter o pranto.
- É você, Raquel?...- falou, a custo - Sente-se aqui, minha filha... Sente-se... Oh, meu Deus, por isso você voltou... para ser salva...
Para Miguel aquele diálogo era inteiramente sem nexo. Recusava-se, inconscientemente, a unir as duas histórias.
Rubens dirigia-se apenas à menina.
- Não foram dois dias, Raquel... Foram... Raquel, você veio para me encontrar... Como, eu não sei... mas você está aqui, ao meu lado...
- Senhor...- a voz de Raquel era calma, agora, mas ainda hesitante - tentaram me salvar, mas em vão...Eu não o compreendo... Eu... estarei morta? E vocês dois? Por que essa praia tão deserta, esse mar de repente tão calmo? Eu devo estar...
- Não, Raquel, não, você está viva, você vai viver, eu sei... Eu quase nada tenho para lhe dizer... mas agora sei... você terá que voltar à sua praia, àquele mar revolto e violento... mas será salva...Você não vai morrer...
- Ah, meu senhor, eu não sei o que fazer! Nós viemos passar o dia na praia... Mas era um domingo... e hoje é terça...
Raquel repetia maquinalmente as mesmas frases.
- Por favor senhor, se o senhor sabe de algo, não me esconda nada... Eu vou enlouquecer...
- Não, não vai não! Vamos, vamos voltar para o mar. Confie em mim. Vá e nade, nade bastante, depois flutue... descanse... e aguarde...
- Aguardar o quê? O que acontecerá comigo?
Apesar de tudo por que passava, Raquel sentia uma inexplicável segurança nas palavras de Rubens. Parecia-lhe conhecer o futuro, no seu passado.
- Raquel - disse ele - quando você estiver na praia de volta, irá perguntar ao rapaz que a terá salvo, o seu nome. “Rubens”, ele lhe dirá.
- Mas eu já estou salva... - ela ainda titubeou, tentando agarrar-se ao mais plausível. Rubens continuou reticente. Era preciso ser enigmático, pois como explicaria a ela? E o quê explicaria?
- Você deu um salto muito grande, Raquel. Volte para o mar, volte para o seu tempo...
Raquel acalmara-se. Nem sabia ao certo por que mo-tivo aquele senhor tão amável devia ter razão. Tudo na praia lhe era estranho, até mesmo o ar que respirava.
Não estava morta. Não estava viva, tampouco. Mas sentia segurança nas palavras do desconhecido que lhe afirmava precisar voltar ao mar...
Levantou-se. Rubens imitou o seu gesto. Olhou aquela menina-moça de olhos negros e cabelos longos, segurou-lhe as duas mãos e apertou-as suavemente.
- Como é o seu nome? - ela perguntou.
- Rubens...
- Rubens... O nome que ouvirei...
Ele sorriu e nada disse.
Miguel assistiu a tudo estarrecido. Estariam loucos, os dois? Rubens não poderia levar avante idéia tão esdrúxula, seria suicídio. Estava resolvido a impedir tamanha insensatez, embora seu raciocínio estivesse um tanto embotado por tantas coincidências que via se sucederem. Esforçava-se para crer que eram apenas coincidências.
Rubens começou a dirigir-se para a água, de mãos dadas com Raquel, ambos inteiramente alheios ao amigo, que vacilava ainda entre permitir ou não que se consumasse o estranho pacto. Por fim, Miguel resolveu que não poderia deixar ir avante a incompreensível decisão de Rubens, tranquilamente adotada pela moça.
- Esperem! - disse, começando a encaminhar-se em direção a eles - vocês não podem...
Deixou a frase no meio. Sentiu uma mão pousar suavemente em seu ombro, ao mesmo tempo que alguém lhe dizia, em voz baixa:
- Por favor, deixe-a ir...
Voltou-se, a ver quem era que o impedia no seu in-tento.
Era a jovem senhora que haviam visto descansando sob a amendoeira, ao chegarem. Ela voltou a falar-lhe:
- Não tente impedi-lo de salvá-la...
Miguel percebeu que seus dois grandes olhos negros estavam fixos em Rubens, que continuava em pé, na beira da água.
- Quem é a senhora?
- Eu sou Raquel... - fez uma pausa - Há quanto tempo espero por este momento...
Ela abraçou Miguel e levou-o ao encontro de Rubens. Ele estava de costas, com os braços cruzados e os olhos perdidos na vastidão do mar, à sua frente.

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