domingo, 3 de julho de 2011

ESPELHO REFLETOR


ATÉ  BREVE...
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 Há momentos na vida em que, em nossos pensamentos, a reunião fortuita de diversos fatores imaginários produzem-nos tão perfeitos, que quando nos damos conta estamos vivendo um deles, e, sempre fantasiando, vemo-nos querendo prolongá-los para sempre. E esses momentos acontecem com muito mais frequência do que se imagina, porém estamos quase sempre tão desligados das coisas sutis e quase imperceptíveis, vivendo constantemente mergulhados em pensamentos materiais e arraigados ao nosso cotidiano, que raramente os percebemos.
Eu procuro cultivá-los, quando os percebo. E o faço com um misto de sofreguidão e carinho, procurando, quando eles se mostram, evitar que se desvaneçam, diluídos na avalanche incontrolável dos fatos corriqueiros.
E foi num destes momentos mágicos que tudo aconteceu.
O ambiente era acolhedor. A pequena sala, cuja porta envidraçada e entreaberta deixava ver o quintal de mangueiras, encobria-se já na penumbra do fim de tarde. Lá fora, do chão ainda recendia o “cheiro de terra” característico que se desprende do solo após uma daquelas fortes chuvas que prenunciam o verão; mas já se podia notar, entre as copas das árvores, entrelaçadas, que o céu estava novamente azul, embora, às luzes vespertinas, já não se mostrasse tão brilhante e luminoso.
Inteiramente absorvido pela leitura de “Urânia”, custei a perceber que já me esforçava tentando distinguir as palavras, devido à pouca claridade do ambiente. Levantei os olhos do livro, conjugando olfato e visão; e, com a minha modesta sensibilidade desse modo aumentada, pude identificar com mais prazer o sítio de onde vinha tão agradável cheiro de terra. Bastaram aqueles poucos segundos, em que me entretive examinando a espessa folhagem, de onde desciam os grossos troncos das mangueiras, respeitáveis senhoras tão ou mais antigas do que a casa; o chão coalhado das pequeninas florações que não resistiram à força da chuva, que não soubera respeitar tão importante quanto frágil necessidade de sobrevivência; o muro de alvenaria, para além das mangueiras, como a me mostrar o limite dos meus devaneios - bastaram aqueles segundos – dizia eu - para que, ao tentar retomar a leitura, eu verificasse que as luzes do crepúsculo, embora radioso, já não eram suficientes para que continuasse o “diálogo” interrompido com Flammarion.
Dediquei-me, então, a apreciar a despedida do dia. Recostei a cabeça na poltrona, e enquanto as luzes da Natureza iam se esmaecendo imperceptivelmente, controladas por celestial potenciômetro, comecei a pensar em mim mesmo.
Estava naquela casa, sozinho e longe da minha família, por força do trabalho. Exceto nos fins de semana, quando revia aqueles a quem tanto amava, o meu tempo livre era dividido entre meus afazeres e a leitura. Era comum eu surpreender-me cismando em cima de um ponto fixo, uma estrela - talvez sempre a mesma, não sei - desdobrando-me em pensamentos perquiridores sobre tudo e sobre todos.
Consolava-me, assim. Raras vezes havia me sentido desditoso com esta solidão, pois sabia reconhecer que, apesar do grande apego afetivo à minha mulher e aos meus filhos, eu “sofria” a temporária separação com bastante conforto...
Ali estava, em lugar aprazível e calmo, recebendo suaves e sadias emanações da Natureza, exercitando-me na leitura e nos meus cismares. Ali estava com o pensamento fixo em meus companheiros de jornada, porém sabendo-os bem, tanto quanto eu próprio.
Foi quando o meu pensamento voou para mais longe, buscando meu filho, longe, em outra cidade; minha filha, minha mulher, também separadas de mim...
Três cidades, uma família... Quem sabe não estaríamos todos, naquele momento, olhando para o mesmo ponto do firmamento, formando uma pirâmide de energia, cujos vértices da base éramos nós? Senti que estávamos unidos pela luz daquela estrela, quarto vértice no topo da pirâmide...
Poucas vezes minha solidão traz-me o infortúnio, pois raras são as ocasiões em que não penso nas verdades da vida. Nesses poucos momentos em que me deixo envolver pelas sombras, meu céu se encobre e a minha estrela se esconde atrás de grossas nuvens. Logo sinto-me o mais infeliz e desgraçado dos homens... Vejo os colegas, após o trabalho, retornando aos seus lares e invejo a convivência diária que têm com as esposas e os filhos: douro a pílula... Imagino-os sem problemas domésticos, construo para eles um mundo de felicidade no qual não me incluo, “pobre coitado” que sou, pois retorno todos os dias ao meu abrigo, longe da família, onde devo aguardar na solidão a chegada de um novo dia...
Mas não duram muito essas maquinações da mente. Daí a pouco lá está novamente, livre das nimbações egoísticas, o meu foco refletor. Volto então aos pensamentos de paz - e até mesmo de alegria, por que não? - por constatar quão pequeno e mesquinho é o meu sofrimento, se comparado com aqueles com os quais a vida constantemente nos faz esbarrar. Sim, de alegria, pois em nossa caminhada muito mais nos deve consolar saber o quanto já andamos para a frente do que nos preocuparmos em tentar adivinhar o que ainda está para vir.

Assim eu estava, pensando...
Arredara um pouco a poltrona para que as copas folhudas das árvores não se interpusessem entre eu e a minha estrela. Já era quase noite agora, e muitos outros mundos iguais àquele chamavam a minha atenção com suas cintilações; mas eu me mantinha fiel ao meu espelho refletor, na ingênua esperança de que ele me trouxesse boas novas dos outros três pontos-base que formavam aquela pirâmide de raios pensantes.
Apesar da parca iluminação natural, acender uma luz naquele ambiente seria profaná-lo. Havia a claridade repousante de quem aos poucos se acostuma com a visão no escuro, por isso à minha volta as coisas se delineavam bastante bem. É interessante como se consegue, mesmo sem que haja um foco de luz definido, perceber as imagens de um ambiente em penumbra. Passei a exercitar a visão, tentando distinguir na quase ausência de luz os objetos que decoravam o aposento, todos velhos conhecidos. Volvendo os olhos lentamente para a direita, percebi a cortina, aberta, parcialmente oculta pela escrivaninha, colocada em ângulo no canto da sala; o abajur, sobre esta, no qual duas delicadas figurinhas de porcelana namoram-se eternamente; a refeição dos pescadores, tão bem fixada pelo artista na pintura, ornando a parede; e a porta, toda de vidros pequenos e retangulares, emoldurados na madeira, que separava a salinha onde eu estava de outra sala contígua, bem maior e espaçosa. Voltei-me então para o outro lado, para a esquerda, distraído na redescoberta do ambiente já tão conhecido.
Foi então que divisei o vulto de um homem, sentado na poltrona à minha esquerda. Quando o vi, ligeiro frêmito percorreu-me o corpo, que foi imediatamente substituído por intenso e inexplicável bem estar. Ele pareceu-me já estar ali há algum tempo, aguardando que eu terminasse o meu passeio visual pela sala. Não me assustei, embora consciente de que não teria havido nenhuma possibilidade de sua entrada no aposento, se normal, sem ser notada por mim.
Ele sorria suavemente. Irradiava tamanha paz, exalava tão grande sentimento de confiança, que não tive por que amedrontar-me.
Curiosa, a sensação.
Podia vê-lo bem, do ângulo em que encontrava. Nem de lado, nem de frente, os pés cruzados, as mãos também cruzadas sobre as pernas, a cabeça ligeiramente voltada para a direita, olhava-me de frente.
Eu não ousava falar. Parecia-me que a minha voz iria fazer desvanecer-se aquela criatura, muito embora a sua aparência não fosse a de um ser diáfano e imaterial. Ao contrário, senti que ali estava um homem igual a mim, exceto talvez pelas roupas um pouco estranhas, mas as quais também eu não distinguia bem, devido à insuficiência de luz.
A lua, em seu quarto crescente, já emprestava nova luminosidade ao ambiente, projetando as sombras recortadas das mangueiras pelo chão.
Pude ver que o meu companheiro, parcialmente tocado pelo luar azulado, também projetava sua sombra nitidamente aos nossos pés.
Foi então que senti minha mente - não sei como - registrar algumas palavras, vindas de meu hóspede:
* Sim, tenho sombra; sou tão real quanto você.*
Levantei a cabeça com um movimento rápido e procurei seu rosto, agora mais visível. E a um pensa-mento meu, que não cheguei a transformar em palavras, senti que meu interlocutor - se é que assim poderei chamá-lo - novamente se expressou :
*Podemos comunicarmo-nos por sons, se você assim preferir*.
Percebi a rapidez com que ele se assenhoreava de meus pensamentos e os respondia. A sala estava em completo silêncio, mas as suas ideias chegavam-me inteiras, como da mesma maneira já sentia partirem de mim para ele as minhas mudas palavras. Não, eu não queria sons, que de repente me pareceram inúteis e desnecessários. Seria como se duas pessoas que tivessem suas cordas vocais perfeitas, preferissem se comunicar pela escrita.
*Excelente comparação.* - registrei em minha mente, consciente, agora, de onde vinha a observação. E ambos deixamos escapar um sorriso, em uma inexplicável afinidade que sutilmente começava e nos unir.
Desenvolveu-se o diálogo então apenas pela comunicação entre nossos pensamentos, sem as pausas naturais que uma conversação normalmente impõe. As idéias iam-se substituindo umas às outras, em parceria, às vezes com um entrelaçamento difícil de se conceber por meio de sons. Por isso, procurarei deixar aqui uma narrativa em forma de diálogo, embora muito diferente e mesmo inenarrável tenha sido o entendimento que houve entre mim e o meu visitante.
Minha primeira e natural curiosidade foi saber de que maneira ele havia chegado ali.
*Você me atraiu para cá, e embora eu esteja aqui por vontade própria, não teria conseguido o meu intento se você não me abrisse as portas.*
- Mas eu não lhe abri portas. Teria deixado alguma aberta? De onde vem você?
*As portas da alma, são as que me refiro... Você tem certeza da minha existência, e não uma simples suspeita. O que nunca imaginou foi que pudéssemos nos encontrar algum dia.*
Olhou para a estrela, para o vértice da minha pirâmide imaginária.
*Acabo de chegar de lá. Mas minha morada é aqui.*
Eu esforçava-me para compreender, e ele percebia isso. Mas não se alterou.
*Sei que deve estar sendo difícil para você, mas para mim é também difícil expressar-me de maneira que você entenda. Afinal, existe muito tempo nos separando, e é o tempo que molda os padrões, os costumes e as culturas. Mas você já tem condições de assimilar o que tenho a dizer.
*Eu me considero uma pessoa que gosta de pesquisar coisas novas e intrigantes, de saber o porquê de tudo o que me cerca. Principalmente em assuntos que envolvem o Tempo e suas consequências. E como nada existe no Universo sem o concurso do Tempo, desde a fração de segundo ao ano-luz, tudo, tudo enfim acaba sendo alvo das minhas pesquisas.
Eu estava fascinado. Ele continuou:
*Até mesmo o tempo... zero. Passei, por isso, a estudar a ausência de tempo. Por que? Porque a movimentação da luz, de onde eu venho, já é conhecida há mais de um milênio, mas não nos soluciona as necessidades de transportes ao passado. Mesmo a transposição instantânea eu já havia conseguido, e vou lhe explicar de que maneira. Mas, se eu podia ver o passado, não tinha ainda como participar dele. Somente agora consegui isso, e graças a você, aqui estou fazendo parte do meu próprio passado.
*Eu estava lhe observando, quando as suas vibrações atraíram-me tão fortemente que aqui estou...*
Provavelmente o meu olhar fixo e aparvalhado denunciou a falibilidade do meu raciocínio, porque o meu interlocutor precisou repetir com pormenores toda a explanação, para depois continuar :
*Após cálculos rudimentares, baseados na velocidade da luz, escolhi para as minhas experiências uma data exatamente mil anos antes da minha era. Já posso constatar se meus cálculos foram corretos. Devemos estar em dezembro de 1981, não é certo?*
- Sim. - foi em que consegui pensar, ao mesmo tempo que balançava a cabeça afirmativamente, esquecendo-me que tal gesto era totalmente dispensável.
*Confesso - continuou ele - que tive grande surpresa, aliás muito agradável. Não apenas por rever o passado, pois já esperava que a prática confirmasse a teoria; mas por ter conseguido retornar a ele e fazer parte dele, sem manter-me apenas como espectador. Esta sim, foi a grande descoberta.*
- Continue, por favor, - pedi-lhe - mas procure ser ainda mais claro. Tudo isso, para mim, é atordoante...
*Eu posso compreender... Bem, após escolhida esta data, seria preciso então que eu me deslocasse daqui. Da nossa Terra, para algum lugar no espaço, situado a determinada distância, a qual seria percorrida pela luz em exatamente mil anos, isto é, mil anos-luz. Pelos cálculos, tal lugar é aquele mundo distante e iluminado que você contemplava. Se eu me transportasse para ele em um tempo zero, receberia lá as imagens da Terra de mil anos antes, isto é, as imagens deste seu tempo. Como disse, devido à distância que separa estes dois mundos, a luz levaria exatamente mil anos para percorrê-la. De lá - ele levantou os olhos e contemplou a estrela - usando métodos de observação ainda desconhecidos para você, pude contemplar a minha Terra, as minhas sempre verdes paragens, mil anos antes da era em que vivo nela...*
Tempo zero, incríveis métodos de observação... Aquele diálogo ainda me aturdia, mas, agora já tudo compreendia melhor, já me sentia capaz de acompanhar o raciocínio do para mim tão estranho personagem. Ele vivia ali mesmo, na Terra, mil anos depois do meu tempo...
Embora os raios lunares já não incidissem diretamente sobre nós, o ambiente estava bem mais claro, pois o nosso satélite, já bem mais alto no firmamento, a tudo iluminava igualmente com sua luz límpida e brilhante. Por isso, pude então examinar meu companheiro melhor e mais detalhadamente. A paz e a tranquilidade daquele ser eram contagiantes, a ponto de anularem em mim maiores necessidades de perquirições mais acuradas. Eu me sentia bem em sua presença, e meus pensamentos logo foram captados por ele, no pequeno intervalo que se fez em nossas comunicações. Ele sorriu:
*Nada existe, em minha época, que possa perturbar a paz e a harmonia entre os seres. É a Terra, em meu tempo, inteiramente habitada e com todos os espaços racionalmente divididos. Vivemos como uma grande família - que realmente somos - unida e em perfeita comunhão com as famílias de outros mundos, os quais, milhares deles reunidos, formam o que hoje corresponde, para vocês, a uma cidade.
*Eu já estava aqui participando dos seus pensamentos, na hora em que você imaginava-se feliz por “sofrer” com conforto. Esteja certo de que isto quer dizer muito, quer dizer que você - e sua família - já possuem um entendimento claro, embora ainda superficial, sobre as vidas sucessivas. Vocês três estão separados, cada um em uma cidade, mas quase satisfeitos - não estou dizendo conformados - por possuírem a compreensão de que, pelo menos por breve tempo, assim deve ser. Esta maneira de agir e de pensar indica que a semente das comunicações intercerebrais foi lançada e está germinando, e que, com o passar do tempo, toda a humanidade irá sentir que não existem distâncias, que não existem grandes ou pequenos espaços, e que aqueles que estão próximos não se diferenciam dos que estão separados. Também o Tempo deixará de ser uma medida circunscrita e absoluta na Terra para ser relativa a todo o Universo e não apenas ao mundo em que vivemos. No entanto, estarão sempre pulsantes o passado, o futuro e o presente, embora para este último não haja medida temporal que o defina. É apenas um átimo de tempo que transforma incessantemente o futuro em passado. Não estamos nós dois, aqui juntos, corroborando esta afirmativa?
*A mente humana é e será sempre, entretanto, insaciável. Por isso, mal saímos de nossas conquistas neste sentido - mil anos e infinda sucessão de vidas foram necessárias para isso - começamos a perquirir mais intensamente o passado, quanto ao transporte de matéria através do tempo universal, e não pela acanhada contagem de tempo de nosso planeta. Se isto foi feito não foi apenas com o intuito de estudar o passado, porque este já nos é inteiramente conhecido, e sim com a finalidade de alertar as mentes, já um pouco esclarecidas, como no seu caso, a fim de que fechando um círculo vicioso, como vocês chamam, nós próprios estaremos apressando as nossas futuras realizações.
- Como assim? - consegui indagar, mesmo sem assimilar integralmente todos aqueles conceitos, tão novos para mim.
*Não poderia ser de outra forma. Este nosso diálogo é o primeiro que está sendo travado após a minha descoberta da possibilidade de retorno ao passado. Quantos outros haverá? Quantos de vocês serão esclarecidos, ajudando a construir mundos melhores, divulgando idéias que acelerarão, no futuro, as nossas próprias descobertas? Sem este nosso encontro, e outros similares que fatalmente o sucederão, talvez em 2981 não tivesse sido possível a minha descoberta e esta aproximação. Como você vê nada há de absoluto, exceto a Criação. Quem sabe ainda nós mesmos, em nossa era, no ano para vocês ainda tão longínquo de 2981, estaremos sendo alvo de influenciações tão complexas quanto esta, agora em nosso futuro, e sabe-se lá por que meios ?*
Aquela conversação inebriava-me. Tão embevecido estava, que embora ainda houvesse mais uma pergunta - mais uma dúvida, melhor dizendo – esquivar-me-ia de fazê-la por parecer-me destituída de importância, perto de todas aquelas tão transcendentais quanto espantosas revelações.
De nada adiantou não fazê-la; ele a captou.
*Engana-se. A sua dúvida não é fútil, ao contrário, ela será de maior importância para a continuação de meus estudos. A sua estranheza na minha afirmação de que fui aqui atraído por você faz muito sentido. Quando eu estava naquele mundo distante, para onde “viajei”, observando a nossa Terra, senti intensamente as suas vibrações em minha direção, como também senti vibrações quase da mesma intensidade vindas de dois outros pontos diferentes - as duas outras cidades a que você se referiu. Este fenômeno possibilitou-me formar o canal vibratório que me conduziria até aqui. E se vim a você e não a um dos outros dois pontos de emissão de força, será porque eu e você temos alguma coisa nos unindo fortemente. As nossas emissões vibratórias são idênticas, de mesma frequência, e isto tem o mesmo valor que tem, no seu tempo, as impressões digitais, isto é, não é possível haver vibrações diferentes em idêntica frequência. Quer isto dizer que somos o mesmo ser, provando que o espaço e o tempo são meros pontos de referência.*
* Sou o que você será, e você é o que eu fui.*
Então eu estava diante de mim mesmo, mil anos à frente?... e a absurda informação me foi dita com a mais extrema simplicidade!
Quantas transformações já teriam havido até que a humanidade chegasse àquele estágio, quantas diferentes vestimentas físicas eu utilizara, quantos fardos carregara naqueles mil anos que nos separavam!
Ele tinha razão. Menos ainda me preocupavam agora os meus modestos problemas. Eu era realmente feliz, e - sabia agora - ainda seria muito, muito mais!
Não lhe perguntei sobre o meu futuro, sobre aquele lapso de tempo que nos separava; repeli os pensamentos que infantilmente se insinuavam. Senti que ele os captara, apoiando entretanto a minha atitude com o silêncio.
A sua missão estava finda. Senti o êxito, em ambas as extremidades daquele cordão etéreo que nos unia.
Voltei a cabeça para o jardim e mais uma vez contemplei, agora com outros olhos, as mangueiras, o chão de flores mortas, o muro... Demorei-me com os olhos fixos no muro. Como ele parecia tão destoante, naquele ambiente! Que estranha divisória aquela, separando dois vizinhos, dois irmãos que conversam, riem, trocam às vezes até confidências, mas que ainda necessitam de um alto muro entre eles!... Como me pareceu longo, nesta hora, um período de mil anos!
Procurei novamente meu interlocutor, mas ele já não estava mais comigo. Levantei-me então da poltrona e encaminhei-me para o umbral que separava a casa do jardim. Procurei a minha estrela e fui encontrá-la, já bem distante do ponto onde estava quando comecei meus devaneios, como a me mostrar mais uma vez que nada é fixo, nada é estático; tudo se move, se altera, se agita.
Lá estava o meu espelho refletor, que eu agora sabia ter refletido a minha própria imagem, e que talvez naquele instante estivesse acenando-me, com um sorriso, um...
*Até breve...*













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