terça-feira, 16 de novembro de 2010

OS ÚLTIMOS VINTE E CINCO




Há três anos entrei nos últimos vinte e cinco.
Cada vida, salvo raras exceções, compõe-se normalmente de quatro vinte-e-cincos, cada um com cinco lustros. O quinto é bem raro, geralmente é pra quem não joga, não fuma e não bebe. Mas, às vezes não, quem joga, fuma e bebe também chega lá. Em tudo há exceção.
Nem sempre, ou quase nunca é prazerosa, a estadia além dos últimos vinte-e-cinco. Todo mundo já foi embora, você fica sozinho. Ou fica sozinho, ou vira criança outra vez, aos olhos dos outros.
Cada qual no seu cada qual. Cada qual no seu vinte-e-cinco.

No primeiro vinte-e-cinco você surge, como diz o povo, pelado, careca e desdentado. E acrescento: completamente dependente. Por isso, o que vier é lucro.
No primeiro lustro, todo mundo é igual, são todos inocentes, não têm a menor noção do que os espera. A vida é boa, mesmo que muitos continuem pelados e desdentados (e olhe que estes se contam aos milhões...), e a vida é boa porque ainda não é por culpa deles que estão assim.
É, a vida ainda é boa.
No segundo lustro, começam a perceber que existem diferenças, que uns são lourinhos, tem olhos azuis e usam roupas cheirosas, e outros usam tangas e são muito barrigudos e remelentos. Mas, ainda assim, a vida é boa, continuam inteiramente dependentes. É claro que há os meios-termos. São estes os mais satisfeitos com a vida.
No terceiro lustro, o bicho começa a pegar. Começam prematuramente os “porquês”, ainda sem respostas. São, porque são, e pronto. Diminui muito o número dos que acham que a vida ainda é boa, são a minoria. São os que não podem mais ser dependentes;
Dividem-se naturalmente em três grandes grupos: os comprados-prontos, os meios-termos e os tristes-vidas. Os primeiros estão achando a vida ótima. Os meios-termos desde cedo dão duro, começam a procurar o seu futuro. Os tristes-vidas ainda não procuram o futuro, estão atrás apenas do que comer.
No quarto lustro, o primeiro grupo apenas usufrui daqueles outros que já estão no terceiro vinte-e-cinco.  Sempre dependentes. O futuro vem até ele, de mão beijada. O segundo grupo começa a luta para conseguir o que os do primeiro já encontram pronto. E o terceiro grupo já tem o que comer, e só.
Quinto lustro: Alguns comprados-prontos usufruem demais, e por isso se perdem entre risos e alegrias, mas muitos outros agarram aquilo que lhes veio de mão beijada, com unhas e dentes, e multiplicam seus risos e alegrias; que são compartilhados, às vezes, com muitos meios-termos, que, embora continuem meios-termos, seguem emparelhados com eles, valorizando as alegrias conquistadas. Suando, mas seguem. Os tristes-vidas continuam na luta, reconhecendo cada vez mais o valor do que conseguem, suando muito, muito.
Complicado?

Então, todo mundo passa para o segundo vinte-e-cinco.
Aqui é que acontecem as coisas mais importantes pra esse todo mundo, enquanto não passam para o terceiro vinte-e-cinco.
Com exceções, é claro, porque em tudo há exceções, já disse, a gente vê estes três grupos diminuírem as distâncias que os separam. Não falo de dinheiro; essa diferença vai existir sempre. Falo de relacionamentos, de solidariedade, de compreensão mútua, enfim – todos se toleram mais, já que ainda continua sendo difícil amarem-se como deveriam. Desvios, haverá sempre, em qualquer dos três grupos.
Uns dedicam-se aos outros, e nos desvios outros dedicam-se a si mesmos.
Uns, percebem a tempo porque encontraram lá trás tudo pronto, e dividem com quem encontrou tudo por fazer. Outros, apenas multiplicam o que encontraram pronto.
Uns, pegam em armas (de um ou de outro lado). Outros, em ferramentas.
Uns, sobem. Outros, descem.
Mas todos, quando chegam ao fim do segundo vinte-e-cinco, estão com a vida delineada. Quem é, é. Quem não é, não é. É claro que alguns ainda conseguem se aprumar, enquanto outros se desaprumam de vez. Mas, no fundo, no fundo, nunca negam suas raízes.
Complicado?

Então, quase todo mundo passa para o terceiro vinte-e-cinco. Quase, por que? Porque, é claro, a vida não é eterna.
Cada vinte-e-cinco é uma etapa bem delineada, se bem pensarmos. Quando se passa de um pro outro, parece que muda tudo. Nesse terceiro, por exemplo, olha só:
Os comprados-prontos estão cada vez mais comprados-prontos, e a esta altura já produziram outros comprados-prontinhos, e a vida continua sorrindo. Sorrindo? Ninguém sabe o que se esconde naqueles corações. Com os bolsos cheios, sim, mas sorrindo, nem sempre. Aqueles, desse grupo, que se perderam entre risos e alegrias, talvez nem mais estejam por aqui, talvez se tenham perdido de vez.
Os meios-termos deverão estar estabelecidos, nem sempre bem estabelecidos, mas tocando a vida com consciência de que fizeram o que deveria ser feito. O que não quer dizer bolso cheio. Alguns se perderam, não há regra sem exceção. Outros fizeram-se, para o futuro, comprados-prontos, queira Deus que tenha sido com decência e muito trabalho, sem trair as raízes.
Os tristes-vidas continuarão lutando, lutando, também conscientes de que fizeram o que deveria ser feito, sabendo, talvez, desde o primeiro vinte-e-cinco que a coisa ia ser assim. Mas terão exercitado muito a solidariedade, o amor ao próximo e a paciência. É o que sempre se vê entre eles (ou nós?).
Não é complicado.

Então, muitos menos de todo mundo passam para os últimos vinte-e-cinco.
Porque, se não há doenças, e sim, doentes, se a vida é dura e muitos ficam pelo caminho, é natural, chegou a hora dos que foram, já disse, a vida não é eterna. Os que entram nos últimos vinte-e-cinco estão conscientes e tranquilos. Conscientes e tranquilos não quer dizer dinheiro no bolso, quer dizer apenas que: quem fez, fez. Agora, ou se amarga ou se usufrui, com o que não se fez ou com o que se fez. Missão cumprida é lugar-comum, não há missão cumprida, as missões estão sempre em andamento, mesmo que passem despercebidas. Se se amarga por um lado, se usufrui por outro. Pobre daquele que só amarga.

Agora, eu.
Há três anos entrei nos últimos vinte-e-cinco. Estou assim, consciente e tranquilo, sem dinheiro no bolso. O que fiz, fiz. Não amargo, usufruo.
Pelas estatísticas, já estou na moratória. Mas isso não quer dizer nada, estatísticas que dividem homens em frações (23,75 dos homens estão... etc) não podem ser levadas a sério.
Sempre fui um meio-termo. Nasci quase um comprado-pronto, mas logo, logo, passei para os meios-termos. E cheguei à conclusão de que esta é a melhor classe. Como sempre, tudo é melhor com parcimônia. Passei pelas três etapas sem que ninguém percebesse. Nasci, cresci, fiz família, plantei uma árvore, escrevi um livro mas não publiquei, fui um ilustre desconhecido, nem feio nem bonito, nem gordo nem magro, nem burro nem inteligente, nem rico nem pobre. Feliz e infeliz. Fiz parte da maioria, um autêntico meio-termo. Quando eu me mandar desta para melhor (eu espero), vão chorar um pouquinho, mas nada que dure mais do que seis meses. Normal. Ninguém é insubstituível.
Se dependesse de mim, iria até o próximo vinte-e-cinco, quase ninguém chega lá, engrossando um pouco a frágil fileira dos três dígitos. Aí já não seria mais um ilustre desconhecido, os três dígitos me dariam fama imerecida, por não querer dizer nada, isso. Motivaria reportagens, apareceria até na televisão, ao lado de outros tipos díspares, como jogadores de futebol beijando a camisa, deputados guardado dinheiro nas meias e prêmios Nobel merecidos. Faria parte da minoria famosa. Três dígitos!   
Mas não depende de mim chegar lá. Aliás, depende, até certo ponto, de tudo o que eu fiz até hoje. Mas isso é outra história.

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