terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O BARQUEIRO


 Direitos autorais protegidoa




Era a primeira viagem que eu fazia sem Estela. Depois de tantos anos dividindo com ela alegrias e tristezas, eu estava sozinho. Mas a vida é assim mesmo. Embora às vezes seja muito difícil, não há como não se continuar, pois nada para, tudo está sempre em movimento. Sejam as árvores e seus galhos balançando-se ao vento, ou sejamos nós mesmos, sacudidos pelas tempestades aparentemente terríveis e destruidoras, mas que são, na verdade, apenas transformadoras, agentes de mudanças indispensáveis a nós...
Estela não estava comigo para escolher o apartamento do hotel, como sempre fazíamos. Não estaria nas horas de refeições e nem nos passeios vespertinos pelos arredores. Era, para mim, uma situação nova. Como eu me comportaria? Eu relutara muito na decisão de viajar sozinho, mas era preciso. Eu estava deixando consumir-me em lembranças, fechado em nossa casa, vendo-a em cada canto, sentindo seu perfume de alfazema penetrar-me como uma adaga no coração.
Estava agora tentando uma reação necessária e sei que ela seria a primeira a apoiá-la, incentivando-me em minha nova vida.
E eu estaria realmente sozinho ? Quem saberia ?  Onde estaria ela, senão talvez alí mesmo por perto, dividindo comigo a curiosidade de conhecer mais uma cidade, mais um hotel, como tantas vezes havíamos feito juntos ?
Enquanto divagava em meus pensamentos, do outro lado do balcão o gerente consultava a sua lista de reservas.
- Bem, vejamos. Gilberto Borges, aqui está. Está-vamos à sua espera, sr. Borges. Apartamento 113. O senhor está sozinho ?
Pergunta tão simples e corriqueira... Mas tocou-me profundamente. Acenei que sim com um movimento da cabeça. Ele não podia imaginar o quanto eu estava sozinho.
- O senhor vai gostar do apartamento. É o último da ala esquerda. Na minha opinião, o de melhor localização. Sua varanda se abre para o sul, o que nesta época do ano garante ausência de sol no aposento. E a vista para o rio é soberba.
- É térreo, o apartamento ?
- Sim, e justamente por isso o senhor dispõe de uma saída pela varanda, diretamente para os lados do rio. Posso mandar levar sua bagagem ?
- Sim, claro.
Eu teria ido com Estela antes que me levassem as malas. Sempre gostávamos de aprovar os aposentos antes de aceitá-los, já fazia parte do ritual das férias. Mas agora não, não era necessário. Eu confiava nas informações do prestimoso gerente.
Segui o rapaz que me carregava a valise. Quando entramos no apartamento, logo percebi que não havia exagero nas palavras de elogio. Eram realmente muito acolhedoras as instalações do aposento. A enorme porta de vidro que dava acesso à varanda punha-me em contato direto com a natureza. Apenas um pequeno degrau separava-me do imenso jardim em frente, que se estendia até o rio. Um pequeno paraíso, que terminava nas águas mansas e volumosas da correnteza suave. Aliás, nem terminava ali, tal era a placidez e a quietude de todo o local.
Agradeci quando o rapaz deixou-me sozinho, pois não poderia conter por muito mais tempo a minha emoção. Havia um vazio muito grande em todo aquele ambiente e eu me sentia só, muito só. Tinha vontade de dividir tudo com Estela, de sairmos correndo pela varanda, pisando na relva até chegarmos à margem do rio. Vieram as lembranças, inevitáveis, impossíveis de serem descartadas. E as lágrimas afloraram, abundantes, indiferentes ao meu esforço para superar o enorme vácuo em meu coração.
Estava novamente entregando-me às tristezas da compulsória solidão, mas algo mandava-me reagir, enxugar o pranto e superar a tão sofrida ausência. Comecei a perceber que meus pensamentos eram egoístas, que eu estava sofrendo porque Estela fazia falta a mim, e não porque ela havia seguido o seu caminho. Quem sabe ela não estaria ali mesmo, ao meu lado, tentando mostrar-me como estava feliz onde se encontrava? Por que não? Por que a tristeza da separação, se nos amávamos tanto? Sim, Estela estava ali comigo, e iríamos passear juntos, como sempre.
- Ah, Estela...
Foi só o que consegui falar. E olhando para o rio, que deslizava sereno, distante, disse baixinho :
- Vamos, Estela...
Da varanda descí para a relva. Da porta do hotel, ao ver-me sair, o gerente acenou. Respondi o cumprimento, de longe.
- Vou dar uma volta, não demoro.
- Bom proveito ! E não se preocupe, há tempo antes que o almoço seja servido !
Agradeci a observação. Mas eu não estava preocupado com o almoço, muito menos com o tempo. Há muito havia aprendido a me livrar dos grilhões que me impunha o relógio. Eu não contava mais o tempo, apenas observava-o transformar inexoravelmente o futuro em passado, passado de gratas lembranças.
Caminhei lentamente até o rio. Segui margeando-o, enquanto observava um cardume de minúsculos peixinhos que me acompanhava, à espera talvez de algumas migalhas de pão. A correnteza era tão suave que mal se percebia o movimento das águas, o que dava ao curso d’água a aparência de uma lagoa. Bem à minha frente havia uma ilha - ou o que me parecia ser uma ilha, na considerável distância de onde eu estava.
Quando circundei uns arbustos que debruçavam-se sobre as águas, que impediam a minha caminhada rente à margem, deparei com um homem sentado ao lado de uma canoa. Era uma dessas embarcações cavadas a enxó em um único tronco de árvore, verdadeiras obras primas de artistas anônimos. Tinha a proa presa na areia, enquanto a popa boiava ao sabor da correnteza. O homem, com um canivete, esculpia caprichosamente em um pedaço de madeira, um desses pios com que os caçadores atraem as aves.
Parei e cumprimentei-o.
- Bom dia, companheiro.
Ele voltou-se, levantou a cabeça, olhou-me durante alguns instantes em silêncio e só depois respondeu-me, com simpatia :
- 'dia.
- Você é do hotel ?
- Não, senhor. Mas eles 'deixa' eu ficar por aqui.
- E o que você faz com a sua canoa ? Pesca ?
- Não, senhor. Eles 'deixa' eu ficar, eu fico...
E sorriu. Senti que dali eu não arrancaria mais nada. 'Mas que capacidade de síntese !' pensei. Na verdade, para que eu me interessava em saber o que ele faz? Havia sido delicado comigo, isto sim, pois poderia ter-me dito : "O que é que o senhor tem a ver com o que eu faço ?... E se eu pescasse ? Em que isto iria alterar a sua vida ?..."
Ele olhou-me novamente, como se houvesse dito tudo aquilo. Novamente sorriu e continuou o seu trabalho, sem se alterar. Murmurei qualquer coisa, a guisa de cumprimento e dispunha-me a continuar o meu passeio quando ele retomou o diálogo :
- O senhor me chamou aqui ?
- Eu ? Não, por que ? Cheguei nesse instante. Espera por alguém que o chame ?
Lá estava eu novamente metendo-me onde não era chamado.
- A gente nunca sabe...
Não entendi. Mas também não indaguei mais nada. E foi ele quem novamente voltou a falar :
- O senhor quer que eu o leve até a ilha?
- Não sei, não estava pensando em ir até lá. O que é que tem naquela ilha ?
- Ah, isso depende de quem vai...
O homem era reticente... Depende de quem vai? Olhei para a ilha. Daquela distância o que se via era apenas uma fina faixa de terra, de vegetação que me parecia bem baixa. Seria uma longa travessia e sem maior interesse. Mas aquele 'depende de quem vai' mexeu comigo.
- Depende de quem vai, por quê?
- Porque a gente vê o que a gente quer ver...
Ele estava cada vez mais misterioso. Agora com outro interesse, tornei a examinar a pequena embarcação. Era um barco comprido, muito estreito, que pela sua exígua largura não transmitia a mínima sensação de segurança.
- E você pretende me levar nessa canoa aí ?
Depois que fiz a pergunta percebi o quanto havia sido grosseiro. Mas o matuto não percebeu a minha indelicadeza e respondeu-me, com toda a naturalidade :
- É, ué.
Ainda ensaiei uma desculpa :
- Olhe, eu até que gostaria de ir. Mas não voltaria a tempo para o almoço. Já são onze e meia e a travessia me parece ser demorada. Depois, tem a volta. E a correnteza...
- O senhor volta, moço. A hora que o senhor quiser, o senhor volta... Isso de tempo não é problema...
O homem era enigmático, místico, reticencioso. Mas a sua naturalidade me cativava, embora eu percebesse que ele me transmitia muito menos do que sabia. Ou seria a minha imaginação ?
- Vamos, então. Vamos ver o que de tão especial há nessa ilha.  A hora que eu quiser, eu volto ? O tempo não é problema ? - brinquei com ele.
- A hora que o senhor quiser - repetiu, desta vez sério, sisudo, levantando-se e indicando-me a proa. Tomei assento na tosca tábua que servia de banco, de costas para ele, que já havia empurrado a frágil embarcação para dentro d’água, e empunhando um único remo direcionou-a para a ilha distante, sentado na popa.
'Em que me meti' - pensei eu. Não havia mais do que quatro dedos entre a borda do barco e a linha d’água, e receei que o passeio terminasse em um bom banho de água fria. Mas eu estava muito curioso para descartar aquela viagem, sem mais nem menos.
A travessia se fez sem dificuldades. Ao chegarmos à outra margem, duas ou três remadas mais fortes fizeram com que a proa encalhasse na areia e eu pudesse saltar sem sequer molhar os pés. O homem permaneceu dentro do barco.
- Você não vem ?
- O senhor pode ir, moço. Eu espero.
- Mas ir para onde ?
- O senhor segue a trilha... - e apontou para a frente.
Agora de perto eu podia ver que a vegetação não era nada rasteira como parecia, vista da outra margem. Logo após a estreita faixa de areia que margeava o rio havia uma mata, de árvores não muito altas, mas bastante cerrada. E uma estreita trilha se perdia por dentro dela. Confesso que não me senti muito à vontade.
- Por ali ? - perguntei ao meu companheiro de viagem - E o que tem dentro dessa mata ?
- Vai, moço - ele sorriu - eu espero... Mas volte, viu ?...
Hesitei. Mas ao mesmo tempo as palavras daquele matuto não me pediam simplesmente para que eu fosse. Mandavam-me ir. E por que eu não voltaria ? Eu estava em pé, em frente a ele, que continuava sentado na tosca, mas valente canoa. Ele havia retomado o seu artesanato e parecia ignorar-me. Depois de breves instantes tentei mais uma vez arrancar alguma coisa daquela criatura.
- Quem é você ? - perguntei-lhe, de chofre.
- Eu ? - riu novamente. Ele estava sempre risonho - Eu sou o barqueiro, ué.
Eu não iria saber mais nada, se não tomasse a trilha. A situação começava a incomodar-me. Lembrei-me das histórias sinistras de barqueiros que faziam "travessias para o outro lado", tão comuns... Levantei os olhos para o rio, para a outra margem de onde havíamos vindo. Lá estava, ao longe, o hotel. Bem real...
- Que bobagem - falei entre dentes. Dei meia vol-ta e desapareci pela trilha, embrenhando-me na espessa vegetação.
Mas não caminhei muito, pois logo adiante, abruptamente a mata dava lugar a um vasto campo, todo cultivado, parecendo-me um trigal, à primeira vista. Perdia-se no horizonte aquela plantação dourada ao sol de meio-dia, e suas hastes, agitadas pela brisa, cobrindo-me até a cintura, executavam singela coreografia, enquanto eu caminhava sem rumo procurando compreender a razão de ser daquele imenso campo cultivado em um lugar tão inapropriado.
‘Mas isto não é uma ilha’? - perguntei-me, girando a cabeça e procurando as águas do rio. Entretanto, tudo havia desaparecido. Eu não via mais o rio, tampouco a mata que havia atravessado. Eu estava no centro de um campo dourado que se estendia até a linha do horizonte, onde se fundia, em todas as direções, com o intenso azul de um céu sem nuvens.
Eu não havia chegado ali por acaso, pressentia. Mas não tive medo. Ao contrário, sentia infinito bem estar. Alguma coisa iria acontecer, eu teria apenas que esperar.
Fechei os olhos, e permaneci assim por breve espaço de tempo. Aos poucos envolveu-me suave perfume, como se o trigal, de repente, se transmudasse em um campo de alfazemas...
Senti que não estava mais sozinho.
- Alfazemas... - falei baixinho - mas era o perfume...
Abri os olhos. Ao longe, uma moça vinha ao meu encontro. Parecia vir impulsionada pela brisa, em seu vestido lilás. Cada vez mais e mais perto, podíamos ver-nos bem, agora. Foi então que corremos, loucamente atirando-nos nos braços um do outro...
Era Estela...
Era Estela que me abraçava, sem uma palavra, sem uma lágrima, sem um sorriso... Eu a tinha comigo, sentia seu calor, seus cabelos entre meus dedos, seus braços enlaçados à minha volta...
Não sei por quanto tempo ficamos assim, de olhos fechados, ouvindo as hastes douradas bailarem ao vento. Talvez alguns segundos, talvez uma eternidade. O tempo não existe, não havia dito o barqueiro ? Desejei ficar ali com Estela para sempre...
- Estela... eu fiz a travessia ? - perguntei-lhe, com imensa alegria. Ela olhou-me brandamente, segurando meu rosto com as duas mãos.
- Não... ainda não... Ainda é muito cedo para você vir...
- Mas era muito cedo para você também. Porque  você veio, então?
- Porque havia chegado a minha hora... E a hora de cada um de nós não é nem cedo, nem tarde...
- Ah, Estela, eu quero ficar aqui com você... O que me prende do outro lado do rio ? Nada...
- Nada ? Mas a vida continua seguindo o seu rumo, nada à sua volta mudou. Eu sei, eu me afastei, mas não tanto quanto você pensa. Estou sempre a seu lado,  não me percebe ?
- Sim, a sua presença é constante... Mas não é a mesma coisa...
- Você pode me ver quando quiser. Você achou o caminho...
- O barqueiro ?
- Sim...
- Quem é ele ? Quem é o barqueiro ?     
- Ora, que importa ? Você não está aqui comigo ?
Era um sonho. Não podia ser realidade. Eu e Estela, novamente juntos... Mais uns instantes e eu acordaria debaixo de alguma frondosa árvore, à beira do rio. E certamente teria perdido a hora do almoço...
Eu olhava para Estela, sem saber o que dizer. E tínhamos tantas coisas para falar ! Mas estávamos estranhamente separados por um rio, e à mercê de um barqueiro, que devia estar me aguardando pacientemente para levar-me de volta.
Não; não tínhamos o que falar. Nada que disséssemos seria mais eloqüente que o nosso silêncio.
"Mas volte, viu ?"
Agora compreendia o significado das palavras do barqueiro.
- Estela, acho que tenho que ir.
- Eu sei.
- Vamos comigo, o que lhe impede ? Estamos juntos...
- Você sabe que não é assim... Veja, o barqueiro o espera...
Voltei a cabeça para a direção que ela me havia apontado com o olhar. Para minha surpresa, toda a paisagem havia desaparecido. Eu via apenas a mata, e a trilha aberta à minha frente convidava-me a retornar.
Procurei por Estela e seu suave perfume. Não havia ninguém. Ao invés do trigal, um pequeno descampado. Murmurei, entre dentes:
- De que é capaz, uma mente...
Não pensei mais. Embrenhei-me pela trilha e pouco depois estava novamente na margem do rio. O barqueiro recebeu-me, como sempre, com um sorriso.
- Gostou do passeio ?
Eu ainda estava um pouco atordoado com a lembrança do que minha mente tinha sido capaz de criar. Tive vontade de indagar-lhe por que me havia trazido a um lugar tão inóspito e destituído de interesse. Mas não o fiz. Afinal, de qualquer forma ele me havia proporcionado um maravilhoso devaneio. Intimamente, sentia-me até agradecido...
- Gostei, sim. Mas vamos embora. Sabe? De certa maneira você  tem  mesmo  razão. A gente vê o que a gente quer. Mas... força nesse remo porque não quero perder o almoço...
Do outro lado, novamente o pequeno barco arrastou a proa na margem e eu pulei para a areia.
- Quanto lhe devo ? - perguntei-lhe, já procurando algumas moedas no bolso.
- Que é isso, moço... Nada não, pois se a gente faz por gosto...
Não esperava tal reação. Insisti, mas não houve como fazer com que aceitasse o pagamento pelo seu trabalho.
- É meu serviço, moço. Quando quiser, estou às ordens.
Enfiou a mão no bolso e estendeu-me alguma coisa.
-"Ó", leva esse pio... Se eu não estiver aqui, é só chamar...
Agradeci, sem compreender a razão da gentileza. E acenando-lhe um adeus, dirigi-me ao hotel.

Solicito, como lhe obriga a ser a profissão, o gerente esperava-me na entrada.
- Desistiu do passeio, Sr. Borges ?
- Se desisti ? Não, por que diz isso ?
- Bem, eu o vi caminhando até a margem do rio, mas logo depois o senhor retornou... Achei que havia deixado o passeio para depois do almoço.
- Eu estava com o barqueiro. Ele...
- Barqueiro, senhor ?
Calei-me. Que estava havendo ? Resolvi medir as minhas palavras.
- Sim, eu estava observando um barqueiro do outro lado, na ilha.
- Mas, senhor, esse rio não tem nenhuma ilha. Tampouco há algum barqueiro por aqui. Não que eu conheça.
Já não havia como disfarçar a minha fisionomia. Aos olhos do rapaz eu devia estar parecendo um tanto estranho. Resolvi prevalecer-me da minha condição de hóspede e não dar mais nenhuma satisfação a ele, que já me olhava com certa desconfiança. Mas a diplomacia que lhe impunha o cargo forçou-o a consertar o mal estar :
- É... na verdade na outra margem do rio há uma conformação do terreno que se parece bastante com uma ilha...
- Deve ser isso mesmo - disse-lhe, esforçando-me para encerrar o desagradável diálogo. Em seguida, entrei no hotel e procurei o restaurante, pensando em como o meu devaneio teria sido muito mais extenso do que eu imaginara.
Escolhi uma mesa próxima a uma das janelas, de onde tinha uma bela visão do rio. E não havia mesmo nenhuma ilha, era um rio como outro qualquer, sem barqueiros, sem trigais dourados, sem perfume de alfazema.
 Mas... Estela tinha estado comigo, como sempre esteve...
Enquanto aguardava que me servissem o almoço reparei que um senhor deixava o hotel e caminhava lentamente para a margem do rio. O local era realmente aprazível e convidativo para uma saudável andada após o repasto. Ele acercou-se da margem e deteve-se, acompanhando com os olhos a lenta e repousante correnteza. Distraí-me, observando seus movimentos.
Ele lentamente tirou qualquer coisa do bolso do paletó, que levou à boca. Foi quando ouvi, nitidamente, embora distante, o suave pio de um pássaro chamando a sua companheira...
Imediatamente lembrei-me do presente que havia ganho do barqueiro. Emocionado, levantei-me e fui até a janela, enquanto apertava na mão, com força, o meu próprio passaporte para a ilha dos sonhos.
O homem permaneceu em pé, de cabeça baixa, na beira do rio. Guardou o pequeno instrumento no bolso e cruzou as mãos nas costas.
Com certeza, já havia iniciado a travessia...
Havia mais alguém, além de mim, que conhecera o barqueiro...

Nenhum comentário:

Postar um comentário