quinta-feira, 28 de outubro de 2010

SOMOS TODOS IGUAIS


Baseado em um texto escrito por mim em 1966




- Meu caro, é o que estou lhe dizendo: para mim, morreu, acabou.
- Bastante simplista, não?
- E para que complicar?
- Tem razão. Quanto mais simples, melhor.
- Então você concorda comigo?
- Não.
- O que é que você acha tão simples, então?
- Se eu lhe fizer um monte de perguntas - assim como Sócrates fez com Platão - você me responderá?
- Sócrates e Platão... Você já começou a complicar.
- É o que todo mundo pensa. Não há nada mais simples do que o pensamento de Sócrates. Você sabia que ele fez com que um escravo analfabeto fizesse contas de somar, apenas com perguntas e respostas?
- Você agora me chamou de analfabeto. Não sou versado em Sócrates e Platão.
- Nem eu. Deixa pra lá. Topa minhas perguntas?
- Vamos lá.
- Seu corpo é formado de que?
- Ora, sei lá... Moléculas...
- Isso. E as moléculas, são formadas por quê?
- Por átomos.
- E os átomos?
- Espere aí : onde você quer chegar?
- Pode deixar que vou parar nos átomos. Mesmo porque daí pra frente nem eu sei.
- Bem, os átomos, que eu saiba, são formados de protons, eletrons, neutrons... Partículas com carga elétrica positiva, negativa, ou sem carga elétrica... Foi o que eu aprendi no científico.
- Depois disso descobriram muito mais coisas dentro dos átomos. Mas não nos interessam essas descobertas. Concorda que os átomos têm um núcleo, onde em volta giram as partículas?
- Claro.
- Assim como nosso sistema solar? Um sol no centro, o núcleo e os planetas girando em volta dele?
- É, mais ou menos.
- Então uma molécula é composta por um ou mais sistemas solares, independentes, que não se tocam, tendo o “vazio”, entre aspas, separando-os?
- Bem...
- E o nosso corpo não é nada mais, nada menos do que um aglomerado de moléculas?
- É. Mas eu não vejo nenhuma relação entre estas perguntas e o início da nossa conversa.
- Calma. Agora me diga : de que é formada uma pedra?
- De moléculas. Outro tipo, claro.
- Na verdade, nem de outro “tipo” elas são. São apenas mais coesas. Mais juntinhas, sabe como é? Por isso a pedra é dura... Moléculas formadas de átomos, certo? E de partículas que giram em torno de um núcleo, sem se tocarem, certo? Com espaços “vazios”, entre aspas, separando-as, certo? De pequenos sistemas solares...
- Por que as aspas?
- Porque o vazio não existe. Existe o ar, denso ou rarefeito, que também é composto de moléculas. Mais separadinhas... Tão separadas que ficam voando...
- E daí?
- Daí que tudo o que existe no nosso Universo é formado de moléculas, que são formadas de átomos, que são pequenos universos iguais ao nosso.
- Por que você diz nosso universo?
- Porque o nosso Universo é muito pequeno, meu caro. Você já pensou que o nosso sistema solar - nosso universo - pode ser apenas um átomo de uma molécula, que junto com outras, pode fazer parte do braço ou de uma perna de um ser igual a nós? E que esse ser pode ter família, fazer parte de uma comunidade, de uma cidade, de um país, de um planeta, de um sistema solar igual ao nosso?
- Cara... você está indo muito longe...
- Está complicado?
- Não, está simples... Simples demais...
- Agora, olhe só: e uma molécula de um braço nosso, ou de uma perna, não poderá também conter muitos e muitos universos, cada um com seus planetas habitados, suas civilizações, seus paises, suas cidades, suas famílias, seus seres... iguais a nós?
- Estou ficando tonto...
- Você é, ao mesmo, ínfimo, se olhar para o firmamento; e colossal, se olhar para dentro de si mesmo.
- Na sua teoria...
- Minha não ! Tudo isso pode uma babaquice, mas... po-de não ser. Todos nós - eu, você, uma pedra, o vento - não passamos de bilhões de bolinhas girando desesperadamente umas em volta das outras. Somos todos iguais. Não existimos, somos feitos de espaços vazios. Lavoisier já dizia que nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Tinha toda razão. Somos carbono, hidrogênio e oxigênio - com variantes.
- Tudo bem. Concordo com você. Somos todos iguais. E daí? Morreu, morreu, cabô, cabô...
- É... Seremos todos iguais mesmo?
- Ah, meu Deus, vai começar tudo de novo...
- Por que uma pedra não pensa?
- Meu caro... Convenhamos... O que vem agora?
- Diga-me : por que uma pedra não pensa?
- Ora, porque não tem vida.
- E nós, é claro, a temos. Nós, as árvores, os animais... De onde ela vem, a vida?
- Nasceu conosco.
- E com a nossa morte, para onde ela vai?
- Morre com a gente.
- Simples, não? E para que seria isso tudo? A gente nasce, a vida nasce com a gente. A gente cresce, constrói uma porção de coisas, faz fortuna - ou vira um miserável - e tudo isso morre com a gente. A gente nasce miserável, morre miserável. A gente nasce em berço de ouro, morre em berço de ouro. A gente já nasce com idiotia e assim morre. Simples, não? Não é muito simples, achar que uma existência de oitenta, noventa anos, onde tudo ou quase tudo o que se constrói sobrevive à gente, e... pronto? Acabou?
- Ora...
- Um rei, um mendigo, um ladrão, um benfeitor, todos tem cérebro, coração, fígado, tudo igual. O que os faz diferentes?
- O cérebro.
- Não... esse é igual.
- O que, então?
- A mente, esta sim, é diferente. Cada mente, de cada indivíduo, é diferente. Como essa mente, que pensa e age - porque sem ela, quando o corpo morre vira pó - chegou ao nosso corpo? Para onde vai ela, depois?
- Morre junto com a vida. A mente é a vida.
- Por que a vida não nasceu com as pedras?
- Você está conseguindo me enrolar.
- Eu? Não. Você não me respondeu.
- Não respondi o que?
- Pergunta típica de quem quer ganhar tempo. Não respondeu de onde vem a vida.
- Eu não sei.
- Nem eu. Mas ela está ai, não está? Umas coisas a tem, outras coisas não. Quem resolveu que seria assim? Por que as “injustiças”, entre aspas, da vida? Não será porque ela já existia antes do nosso corpo e existirá depois que ele se for?
- Outra teoria?
- Não é teoria, é lógica. A mente - a vida - vem do infinito e vai para o infinito. Apenas troca de corpos, como nós, na matéria, trocamos de roupa quando esta fica velha. Nessas viagens pelos corpos, carrega com ela as coisas boas e as ruins que andou fazendo. Das ruins, aos poucos vai se livrando. Nas boas, vai acrescentando outras. Por isso, nascem crianças que serão gênios, outras que serão medíocres ou idiotas. Estas ainda devem ter muitas coisas para purgar. Não foi o “destino” que as fez nascer assim. Elas mesmas moldaram o seu destino.
 - Pois bem. A mente, então, vem de onde e vai para onde? Segundo o que diz, para o infinito...
- Para o nosso infinito, diferente dos infinitos dos outros planetas, dos outros universos... Por isso é que tudo é relativo. O tempo, o espaço que ocupamos, os nossos pensamentos, está tudo relacionado entre si. Por isso não entendemos as relações que devem existir nos outros universos. São próprias deles. Dizemos que não pode haver vida em outros planetas, porque lá não existe água, ou porque a atmosfera de lá não permite. Ora... uma pedra não precisa de atmosfera...
- Isso não explica nada.
- Eu sei. Mas, cá entre nós, há muita coisa que nos rodeia que não se explica, não é mesmo?
- É verdade. Milagres...
- Milagres não existem. Existem fatos ainda não explicados. Nada é sobrenatural. Tudo é natural, depois que sua origem é conhecida. Aos poucos, estas coisas vão se desvendando por si. Sabemos de muita coisa hoje que não sabíamos no passado. Será sempre assim. Isso talvez seja evolução... Quem sabe algum dia uma pedra terá vida? Quem sabe já tem, em algum lugar inconcebível por nós, uma vida inconcebível por nós?
- Assim é demais...
- Por que? Eu, você, a pedra... Não somos todos iguais?...

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