sexta-feira, 10 de setembro de 2010

LARGO DA CARIOCA

     Estávamos vendo fotos antigas. Era uma reunião de família e apenas eu era convidado, amigo de velha data. Mas por mais sólida que fosse a nossa amizade, as fotografias para mim não tinham o mesmo interesse com que os familiares as viam, que a toda hora se reconheciam na infância e comentavam datas e fatos. Algumas fotos, porém, eram da cidade, do Rio de Janeiro que conheci há quase meio século atrás e que despertou em mim uma paixão que eu sempre tive prazer em cultivar.
E o papo estava bastante agradável. O antigo, fosse o que fosse, acendia em mim o prazer da pesquisa e da curiosidade. E muito boas lembranças, também, embora lembranças conscientes de que “naqueles tempos” os problemas já eram os nossos mesmos de hoje, ou quem sabe até maiores, se guardadas as proporções entre a vida pacata de outrora e a agitação desenfreada em que vivemos. Ainda assim, eu teria vontade de voltar atrás, mas... com toda a vivência que acumulei durante a vida.
- Veja só que boa foto esta, Roberto, que aliás, está no meio das outras nem sei por quê. - A matriarca estendeu-me uma fotografia do centro da cidade - As constantes obras na cidade mudam tanto a sua fisionomia que quase não conseguimos nos lembrar de onde foi tirada. Mas desta eu me lembro bem... Foi num passeio que fizemos. Imagine ! Um passeio, no centro da cidade...
Era o Largo da Carioca. Quando a vi, lembrei-me de um fato que havia acontecido comigo há apenas dois dias.
                                 
Eu estava em meu apartamento quando a campainha soou. Era um homem, um pouco mais velho do que eu, extremamente nervoso e com uma nota de mil cruzeiros na mão. Olhou-me com espanto, examinou-me detidamente, esboçou um sorriso que não lhe chegou aos lábios e, visivelmente perturbado, perguntou-me:
- Maurício ?
Retribuí o sorriso que não recebera e disse-lhe que sim, era este o meu nome. Mandei-o entrar. Ele estava mudo, não tirava os olhos de mim, como se eu fosse fugir. Eu nunca o vira em minha vida. Quando lhe perguntei em que  poderia ser útil, ele apenas estendeu-me, com as mãos trêmulas, a nota de mil cruzeiros.
Não entendi. Era uma nota comum, que ele me passava como um objeto raro. A fisionomia ansiosa esperava talvez um comentário, uma resposta à pergunta não formulada. Peguei a nota de suas mãos, examinei-a em ambos os lados, e nada vi que merecesse maior atenção. Apenas em um dos cantos alguém havia escrito uma sequência de números e letras.
Ele conseguiu romper o silêncio:
- Eu sabia, eu sabia que um dia ainda nos encontraríamos...
Eu continuava sem entender. O homem parecia conhecer-me, falava de reencontros. Pedi-lhe que fosse mais claro. Contou-me, agora já mais calmo, uma história fabulosa sobre um encontro há muitos anos atrás, quando ele era ainda jovem. Mas, para seu desespero, eu de nada consegui me lembrar.
- Como demorei a lhe encontrar! E agora, todos estes anos de procura para nada? Você tinha que se lembrar de mim!
Para mim ele continuava sendo um estranho. Não tenho memória tão ruim assim. Se já tivéssemos nos encontrado algum dia, fatalmente eu me lembraria. Por isso, aquele inusitado encontro acabaria ali. O frustrado visitante deixou-me seu nome, endereço, seu telefone, na esperança de que eu viesse a procurá-lo posteriormente.
Mas, por que eu o faria?
                            
Facilmente reconhecível, pelo menos para mim, apesar de todas as mudanças pelas quais passou o local, a foto mostrava a velha Galeria Cruzeiro, parte do Tabuleiro da Baiana - podia-se ver até um bonde no meio da curva da entrada - o edifício do “O Globo”, e, claro, o Largo da Carioca, onde um curioso estacionamento de caminhões “a frete” destoava da paisagem, sendo impossível concebê-lo nos dias de hoje...
Era uma excelente fotografia. Pela amplidão do campo que abrangia via-se que havia sido tirada de longe, talvez da subida para o convento de Santo Antonio, do lado oposto à Galeria Cruzeiro. Bem à esquerda o tradicional relógio de quatro faces por pouco não havia sido cortado da cena. Marcava meio-dia e trinta e cinco. Aquela fração de tempo da vida da cidade, congelada na foto para sempre, me era muito familiar.
Mais um pouco à esquerda do relógio estaria a rua da Assembléia, onde meu pai por tantos anos tivera o seu consultório dentário. Foi inevitável a emoção que tomou conta de mim. Era o Rio de Janeiro dos meus quinze anos...
Eu já começava a alargar os limites da foto com as minhas lembranças...
Voltei-me para a anfitriã :
- É o Largo da Carioca, não há dúvida. Realmente, do ângulo em que foi tomada esta foto, nada do que aqui aparece resistiu ao tempo. Com exceção do relógio, que ainda está por lá, tudo mais desapareceu... Esse local era passagem obrigatória nas minhas idas à cidade, na infância e na juventude. Por isso guardo esta cena nítida na memória, como se estivesse agora atravessando a Galeria Cruzeiro atrás do seu concorrido caldo de cana... Apenas não é a foto tão antiga quanto a senhora supõe. Há um caminhão de aluguel nesse estacionamento, um Ford modelo 1947, que nos dá a época aproximada de quando ela foi tirada, bem posterior a 1938.
Todos acharam graça da acuidade de minha observação...
Alongou-se ainda um pouco o assunto. Os mais jovens não conseguiam reconhecer nem o relógio. Nunca haviam reparado nele, embora bem conhecessem o Bob’s e a estação do metrô. Os mais velhos lembraram-se vaga e desinteressadamente. Logo o assunto naturalmente foi desviado e o grupo continuou revendo as fotos de família, onde o tema era bem mais agradável para eles.

Ali fiquei eu com aquela foto na mão. Era uma ampliação de bom tamanho, onde os detalhes apareciam com grande nitidez. Comecei a examiná-los um por um, lembrando-me do tempo em que passava por ali diariamente para a necessária baldeação de bondes quando vinha da Tijuca, onde estudava, para Botafogo. Desinteressei-me da conversa e das outras fotos. Levantei-me, levando comigo aquele pedaço da minha adolescência e fui procurar, debaixo de uma árvore do quintal, um local mais sossegado onde pudesse novamente atravessar com os olhos o antigo Largo, em busca dos bondes para a zona sul...
1947... Todos os dias, meio-dia e pouco, lá ia eu de uniforme cáqui e pasta de couro, cheia de livros e cadernos, no mesmo trajeto de sempre, procurando novidades nas vitrines que já conhecia de cor.
Era a Casa Palermo, com seus discos e sua fonte - água de verdade - ao lado da entrada; a Confeitaria Manon, para as compras no fim da tarde; a casa de tecidos (Huddersfield?) na esquina da Assembléia; e a enorme Galeria Cruzeiro - tinha esse nome por causa do seu formato em cruz - pintada de cor de rosa, com seu caldo de cana jorrando em cascata e seus “doughnuts” - era assim que se escrevia - feitos em curiosa engenhoca americana, novidade absoluta. Comer aquelas rosquinhas não era tão importante quanto vê-las serem feitas, uma por uma, naquele aparelho que lhes dava forma, fritava-as, primeiro de um lado depois do outro, virando-as automaticamente dentro da banha quente - era banha mesmo - em interminável linha de montagem que tinha destino certo: os espectadores da fabricação. Eu procurava, ingenuamente, distinguir alguém na foto saindo da Galeria com um “doughnut” na mão.
Passava meus olhos pelo Largo, descobrindo um ou outro novo detalhe. Aos poucos sentia que me integrava na paisagem. Procurava lembrar-me de coisas que a câmera não havia conseguido captar. À esquerda do relógio, por exemplo, estaria a rua da Carioca. Em frente, a Uruguaiana, todas com inimaginável, hoje em dia, tráfego em mão dupla. Mais para o meu lado o Edifício Carioca, que também tinha uma galeria, bem mais modesta, de onde os bondes de Sta. Tereza retornavam.
A fotografia começava a crescer dentro de mim...
Atrás de mim - eu me sentia no lugar do fotógrafo - passavam os fiéis para o convento, que lá do alto dominava a paisagem. A foto extrapolava o seu tamanho, envolvendo-me pela direita e pela esquerda. Rodeava-me, ligando suas extremidades num saudoso e nostálgico abraço, fora do tempo, fora do espaço...


Olhei para cima. Céu azul, sol de meio-dia. Ouvia o burburinho típico da cidade, sempre agitada. Notei que o caminhão de aluguel - o Ford 1947 - era amarelo, chamando-me a atenção por ser de uma cor incomum, na época. Eu estava sentado na amurada do caminho para o convento. O movimento era intenso por ali. “Deve ser terça-feira,”- pensei - “dia do pão de Santo Antônio”...
Levantei-me e desci lentamente a pequena ladeira. A foto havia adquirido cor e movimento e eu fazia parte dela. Não só minhas lembranças, mas meu corpo, carne e osso, estavam sendo aquecidos pelo sol.
Contornei o Largo até a entrada do Edifício Carioca. Dali atravessei para a praça do relógio e outra vez para a calçada da Casa Palermo. O som da pequena fonte me era familiar. Eu degustava o meu passado...
Tive ímpetos de correr até a Galeria Cruzeiro, com medo de que a inusitada situação se esfumasse do mesmo modo como se formou. Era tão real! Lá estava o caldo de cana descendo em cascata pelos tubos de refrigeração, lá estavam os “doughnuts”. Eu iria outra vez saborear uma daquelas roscas... E foi já sentindo-lhes o sabor que tirei do bolso o maço de notas e dirigi-me ao caixa.
Quando vi meu dinheiro percebi que ele ali de nada serviria. Como eu explicaria aquelas estranhas notas que mais pareciam cartas de baralho, com suas figuras em invertida simetria? Como convencer à moça do caixa que lhe daria até todo aquele dinheiro por um copo de caldo de cana?
Deixei então escapar em voz alta uma exclamação de desconsolo. Não me conformava em estar ali, participando de um momento que não mais existia, que há muito já se havia desvanecido, e impotente diante da evidência do incompreensível.
Ao meu lado, um rapaz, já com seu caldo na mão, aguardava pacientemente que sua rosquinha ficasse pronta. Poderia ter uns vinte anos, se tanto. De boa figura, parecia-me ser um dos poucos universitários daqueles tempos, em que trabalho e estudo eram incompatíveis, e que uma mesada paterna era o que garantia o diploma no fim do curso. Preocupou-se com o meu desalentado suspiro:
- O senhor está se sentindo bem?
A sua pergunta trouxe-me a irrefutável e definitiva certeza que eu precisava. Eu era real, naquela movimentada Galeria Cruzeiro, e talvez em 1947; mas resolvi ocultar-lhe a verdade.
- Não sei... Acho que é o calor...Vim atrás de um caldo de cana, mas agora vejo que saí de casa sem dinheiro. Não sei como foi me acontecer isso...
- Por favor, o senhor fique com o meu. Isso acontece... Eu pego outro para mim. O senhor me acompanha num “doughnut”?
A educação e a tranquilidade da época - mais de quatro décadas atrás - fazia com que aquele rapaz, um desconhecido, se preocupasse com a minha saúde e a minha falta de dinheiro. Ele tentava me consolar:
- Realmente, hoje está um dia típico do verão carioca. Pudera, em pleno janeiro...
- Janeiro? Que dia é hoje?
- Quatorze.
- Quatorze de janeiro... de 1947? - arrisquei - Uma terça-feira?
Lembrei-me dos pãezinhos de Santo Antonio. Ele confirmou, certamente sem entender a minha pergunta.
O rapaz devia estar querendo me perguntar por que o espanto ao saber da data, que eu não havia conseguido dissimular, mas não era de sua conta. Eu saboreava o meu lanche como se fosse o mais fino caviar. Observava todos e tudo à minha volta, ávido por novas descobertas. Passara de súbito mal estar a uma alegria incontrolável por estar ali. Meu novo amigo percebeu a minha mudança. Desconfiado, fez nova tentativa:
- O senhor é daqui do Rio?
- Sou, meu filho, e como sou! Isso aqui é minha casa!
Ele puxava por mim:
- O senhor me perdoe a curiosidade, mas por que a data de hoje o fez ficar tão alegre? Algum acontecimento importante?
- Qualquer data que você dissesse seria importante, muito importante... Mas você não acreditaria se eu lhe contasse por que. Eu mesmo ainda estou me refazendo da surpresa...
- Não me diga que ganhou na loteria e está sem um tostão no bolso.
- Não, não é isso. Na verdade, eu tenho dinheiro. Mas é um dinheiro que não vale nada aqui, a mocinha ali não o aceitaria.
- Dólares ?
Era a época dos marinheiros americanos pelas ruas, da americanização do pós-guerra.
- Não, meu filho. São cruzeiros mesmo. Sabe, eu tenho medo de começar a lhe contar uma história da qual eu mesmo não saberei o fim.
- Não se preocupe, - ele sorriu - eu gosto de histórias sem fim. Ou melhor, não acredito que sua história possa não ter um fim, nem que inventemos um final feliz para ela. Vamos ouvi-la...
Ele brincava porque não sabia o que o esperava.
- Eu vou lhe contar o que está acontecendo. Depois você há de tirar suas próprias conclusões. Vamos andando? E obrigado pelo caldo de cana, há mais de trinta anos que eu não tomava um igual a esse. Isso eu garanto...
Depusemos os portacopos no balcão e saímos em direção à avenida Rio Branco. Cada novo ângulo da cidade provocava em mim um delicioso choque. Ao sairmos da Galeria estávamos na calçada coberta por onde, antes do Tabuleiro da Baiana os bondes retornavam à Zona Sul, transformada em agradável café, com suas mesas e cadeiras de vime amarelas. Ainda se viam os antigos trilhos no chão de paralelepípedos.
Tomamos uma mesa.
- Vamos nos sentar aqui. Você garante uma mínima despesa que nos dê esse direito?
O moço não estava entendendo nada, mas sua curiosidade era maior que o receio. Receio de que? O que poderia acontecer, no meio de tanta gente, àquela hora do dia?
Encarreguei-me de aumentar a sua curiosidade. Retirei do bolso o maço de notas dobrado ao meio e coloquei-o em cima da mesa.
- Conhece este dinheiro?
Havia notas de mil, quinhentos, algumas de duzentos e outras de cem cruzeiros. Ele pegou-as, examinou-as, sentiu até o odor característico provocado pelo uso. Reconheceu a marca dágua e o papel especial. E estranhando não ter visto ainda nenhuma delas em circulação, bem como a “fortuna” sobre a mesa - havia ali uns dez mil cruzeiros - perguntou-me, consciente que a resposta seria negativa:
- Lançaram novas notas?
Contei-lhe então toda a história. Disse-lhe que também eu não estava entendendo como fui parar em sua época, mas a felicidade por estar ali apagava qualquer possível receio pelo que viesse a acontecer daquele instante para a frente. Ele, obviamente, em nada acreditou. Retomou as notas e tornou a examiná-las. Buscou até as letrinhas miúdas do canto inferior.
- “Casa da Moeda do Brasil”! Desde quando passamos a imprimir o nosso dinheiro? Que brincadeira é esta? Quem se daria ao trabalho de fazer imitações de tal qualidade para nada?
- Para nada? Mas repare que este dinheiro está usado. Já foi muito usado.
- Onde o senhor quer chegar?
O tom de voz era ainda respeitoso, mas parecia alertar-me que eu estava passando dos limites.
- Não estou brincando. Isto é dinheiro. Será dinheiro para você, um dia. Da mesma maneira que já usei o que você usa agora. Em 1947 eu tinha quinze anos, era um pouco mais moço do que você. Em 1982, minha época, você terá cinquenta e quatro anos. Eu vivi aqui, nada disso é novo para mim. Voltei, não sei como. Estamos juntos nisso e não depende de nós o final dessa história.
E arrematei,, sorrindo:
- Eu lhe avisei...
Lembrei-me, então, de outras evidências, que a excitação me fizera esquecer.
- Veja minhas roupas. Não são um tanto diferentes? Veja minhas carteiras, olhe as datas. Por que iria eu falsificar tudo isso?
O rapaz me dissecava com os olhos. Embora eu estivesse vestido sobriamente, as diferenças eram flagrantes. Ele examinava meus documentos, conferia as datas. Começava a se render diante das provas que eu apresentava. Ficou mudo, branco como cera, quando lhe mostrei o meu relógio digital. Agora, quem parecia não estar passando bem era ele.
- Calma, rapaz. Fantasmas vem do passado... Eu estou vindo do seu futuro...Como é o seu nome? Ainda nem nos apresentamos... Eu me chamo Maurício.
- Eu sei, vi seus documentos. Meu nome é Mauro. Mas não consigo acreditar na sua história!
Olhava em volta, como se procurasse alguém com quem dividir a aceitação de uma história tão inverossímil.
- Mauro, por favor, não chame a atenção de ninguém. Eu seria alvo de curiosidade, no mínimo. Se não fosse motivo de caçoada geral. Deixe tudo como está, deixe-me usufruir desses momentos, pois não sei quanto tempo me resta por aqui.
- Ninguém muda a História...
- Eu sei, Mauro, e por isso mesmo acredito que não ficarei aqui para sempre. Poderei mesmo evaporar-me como num passe de mágica...
- Dê-me uma dessas notas. Eu preciso ficar com alguma coisa palpável, quando acabar esse pesadelo.
- Pesadelo? Para mim é um agradável sonho... Se eu lhe der uma das minhas notas, estaremos mudando o curso da História, não acha?
- Talvez, mas sem maiores consequências. E assim mesmo, por um tempo determinado. Quem sabe nos encontraremos no seu tempo?
- Tem razão. Vamos fazer o seguinte: vamos trocá-las. Dê-me uma das suas e eu lhe darei uma destas de mil cruzeiros. Vamos anotar em cada uma delas o número de série da outra. Algum dia elas hão de se cruzar novamente, certo ?
Assim fizemos. Mauro já me aceitava como um intruso no seu tempo. Guardou a sua pequena, mas inútil fortuna - quase cinco vezes a sua mesada, disse-me - enquanto eu juntava às minhas a nota de um cruzeiro que ele me estendeu. Pagou a conta e levantamo-nos, seguindo sem destino certo rumo à Cinelândia.
Entretanto, enquanto eu me afastava mais e mais do Largo da Carioca vinha-me a sensação de que eu não me demoraria muito tempo por ali. A idéia de me au-sentar daquela foto não me soava bem, embora minha vontade fosse percorrer toda a cidade, rever minha casa, minha família e - quem sabe - os meus quinze anos?
Então, um impulso incontrolável começou a me empurrar de volta à ladeira do convento. Senti que não deveria tentar ir mais longe. Quando chegamos em frente ao Teatro Municipal falei ao meu jovem companheiro:
- Mauro, sinto que preciso voltar, embora não saiba o que vai acontecer. Fique aqui e por favor, não me siga. Vou procurar aquela foto!
- Espere, eu vou com você!
- Não, não, você não! Somente eu estou fora do meu tempo. Já foi maravilhoso estar por aqui novamente e não devemos abusar do desconhecido!
Deixei Mauro um tanto sem ação, no meio do povo. Nesse momento vinha chegando um bonde, em direção ao seu ponto final, o Tabuleiro da Baiana. Peguei-o, em movimento, e de um salto deixei-o, mais adiante, na curva da entrada. Continuei correndo até a subida para o convento.
Cheguei ofegante. A foto lá estava, caída em um canto do gramado, fora da amurada. Apanhei-a e mal tive tempo de compará-la com o quadro à minha frente. Senti como que um “flash” espocando e vi-me novamente em meu tranquilo repouso sob a sombra acolhedora da árvore, no quintal dos meus amigos. Mas estava ofegante.
Incrédulo, pensei em ter cochilado enquanto via a fotografia. Mas ainda assim peguei o meu dinheiro no bolso. Entre as notas, havia agora aquela de um cruzeiro, que me havia custado mil vezes mais, na fascinante troca. Num dos cantos, escrito a mão, podia-se ler uma série de letras e números, bem parecida com as das outras notas.
Mais uma vez olhei a fotografia. Agora, mais detalhes apareciam. Antes, eu não havia reparado na figura do rapaz, perto do caminhão amarelo. O instantâneo pegou-o correndo, com os olhos fixos no fotógrafo. Era Mauro, na última tentativa para me alcançar.
Só então lembrei-me novamente da estranha visita que recebera em meu apartamento dois dias antes. Mauro havia me encontrado um pouco antes do tempo...
Corri a procurá-lo, no endereço que me havia dado.
Imaginei perfeitamente a ansiedade com que devia estar me esperando, para reaver a sua notinha de um cruzeiro, fechando assim o ciclo sem modificar a História...








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