quarta-feira, 15 de setembro de 2010

OS R. O.

Não eram da rua Oto, mas da Morais e Silva. Remanescentes da mais alta estirpe portuguesa: R. O. Eu os achava muito importantes porque tinha (e tem) até uma rua com o nome deles. A matriarca era viúva. Uma senhora muito bonita, de boa altura, cabeça branquinha e olhos azuis. Às vezes, quando recebia visitas, pedia licença e se ausentava da sala por uns quinze minutos, para depois voltar. A gente sabia que ela ia dormir um pouco, deitada na cama e tudo. Dizia que nunca tinha visto o marido sem paletó e gravata. Mas teve quatro filhos.
Vivia numa casa grande e confortável, de um andar só e com porão habitável, com os quatro filhos, e mais o Pompom (nunca soube o nome dele), que era o mais velho e filho do primeiro marido, portanto meio-irmão dos outros quatro. Pompom ouvia rádio comendo biscoitos petit-fours, que molhava na água, e todas as noites ia aos quartos de uma por uma das irmãs, dizendo “Boa noite, Ciclaninha”, “Boa noite, Fulaninha”, “Boa noite, Beltraninha”. Só não sei se ia ao quarto do irmão dando boa noite, Zezinho.
Alugavam o porão para o Alfredo, um rapaz que não era do Rio. Parece-me que era cadete do exército. Às vezes eu ia lá, e ele me dava muita atenção. Eu gostava de ir aos lugares e conversar com os adultos. Devia ser um chato.
Outra coisa que eu gostava lá nas R.O. era das mangueiras. Uma vez subi em uma e chupei, lá em cima mesmo, doze carlotinhas. Não tive nada. Nossos quintais quase davam fundos um para o outro, e eu ia “visitá-los” andando por cima dos muros dos outros vizinhos
Uma coisa estranha era um buraco enorme e fundo que o empregado fazia no quintal, para jogar todo lixo da casa. Não punham lixo na porta, para o caminhão carregar. Quando o buraco estava quase cheio, depois assim de um mês, faziam outro do lado e com a terra saída dali tapavam o primeiro. Adubada, pelo menos, a terra devia ficar, mas, e o fedor e as moscas e tudo o mais ? Se não me lembro de tão importante detalhe, é porque não devia me incomodar muito aquela prática lusitana. Inconcebível, hoje em dia.
Uma vez eu estava brincando com uma bolinha, no quintal deles, e mirei para acertar numa galinha - de leve, não foi para machucar. Mas a bola pegou no cú da galinha, ela deu cacarejo e saiu correndo. Dois dias depois, estava morta. Ela ia botar um ovo naquela hora e eu o quebrei dentro dela, com a minha bola. Disseram: “Mas como foi possível acontecer isso ?” Eu, calado. Fui pra casa, me tranquei no quarto e chorei como se tivesse perdido um parente. 

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