quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O SALTO



Subi ao topo, bem no topo,
Onde se consegue ouvir o silêncio.
A rampa, íngreme, à minha frente,
Acabava no nada, corrida sem volta.
                                                       Era a liberdade,
O salto definitivo.

Vesti lentamente a minha asa,
Ajeitei os cordões, examinei os cabos,
Numa demora prolongada
E típica
De quem não está muito a fim,
Embora cheio de teoria.

Encorajadores não me faltaram,
Já acostumados com aqueles saltos
Para a liberdade - mas eu não os ouvia;
Só ouvia o silêncio.

Enfim, tudo pronto.
Parado, na ladeira sem volta,
Eu esquadrinhava o vácuo tentador
Que me sorria. Por fim,
Aconteceu o grande ato de coragem.
           
Lentamente
                    desamarrei os cabos,
                    soltei-me das amarras,
                    despi minha vestimenta alada
E voltei. Eu não ouvia nada, ninguém,
Como se estivéssemos sós, eu e o céu.
No quase primeiro salto
                                       para a liberdade...




Não sei o que pensaram,
             o que falaram
Os meus amigos.
Eu tinha o meu silêncio,
O silêncio de quem chegou no topo
E ia saltar sozinho.  E isso me bastava.

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Depois, de volta a todos os ruídos
Que só existem cá em baixo,
Despido de minhas falsas e coloridas asas,
Livre do fantasma da liberdade,
Cheguei em casa.
Minha companheira, meus filhos
Vieram sorrindo. De nada sabiam,
Seria surpresa.

Ah, meu Deus ! Como os abracei !
Longamente, fortemente, estranhamente...

E,
Sem que me entendessem, ou sequer percebessem,
Senti o peso do acerto
Da minha decisão.
Não seria vontade, mas necessidade.
Não seria prazer, mas afirmação.
Então, vendo aquelas três partes de mim
Que me completavam num abraço,
Constatei
Que eu não tinha necessidade nenhuma
De me lançar no vácuo,
De voar para a liberdade.
            

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