sábado, 25 de setembro de 2010

Lembranças da Empresa - COBRAPI - Trechos




Cecília


Posso afirmar que quase nunca trabalhei para a CSN., apesar dos doze anos de Volta Redonda. Engajavam-me sempre em outros serviços que não os da mamãe, felizmente. Só assim livrava-me da seção de Arqui-etura, que era um ranso. Houve uma época, então, que nem com os outros eu ficava. Puseram-me numa sala do Hotel Sider, onde comecei a trabalhar sozinho, durante uns bons anos fazendo O.& M. - Organizações e Métodos. Eu bem gostava, tinha bastante autonomia, ninguém me enchia o saco e eu dava conta do meu serviço.
Um dia, Cecília veio trabalhar comigo, como dese-hista, para dar conta dos formulários que eu tinha que fazer. Foi uma das melhores coisas que me aconteceram na Cobrapi. Tornamo-nos antigos amigos logo no  primeiro dia embora ela me confessasse que foi trabalhar lá morrendo de medo que eu fosse “um daqueles abusados”, os quais bem conhecia na firma. Conver-sávamos muito, ela sempre puxando um por um os longos fios de suas madeixas, ou fazendo caricatura em 3D do Magalhães Pinto. Divertíamo-nos com as coisas que aconteciam naquela sala, nossas famílias tornaram-se amigas, e o são até hoje. Foi um anjo que me caiu do céu.
E as coisas que aconteciam lá na sala?
Havia ainda um espacinho vago para uma mesa, então puseram lá o Diógenes. Era de outra área, nada tinha a ver com a gente. Ultra sério e formal, totalmente diferente de nós dois. Ninguém era mais rotineiro. Rotina para tudo, até para abrir o contracheque, o que fazia reclamando por ter que rasgar os bordos em trabalho que achava demorado. “Pois eu não tenho pressa... O dinheiro já está no banco...”- disse-lhe uma vez, cortando o meu com toda a calma. Foi o bastante para desencadear um acesso de riso na Cecília. Que, aliás, ria por qualquer coisa, graças a Deus.
Um dia ele comentou que todas as tardes, quando chegava em casa e botava o carro na garagem, sua mulher ouvia o barulho do motor e já ia para a cozinha preparar um suco de laranja. Quando entrava em casa, ela já estava na porta com o suco de laranja na mão. Ele a beijava no rosto, pegava o suco e entrava. Isso todos os dias. Pode?
Cecília, como sempre, prendendo o riso. 
Em outro dia chegou lá na sala o Carvalho, engenheiro eletricista, que havia trabalhado com a minha companheira de sala. Foi lá bater papo. Davam-se bem, os dois, mas eu mal o conhecia. Cecília perguntou pela mulher dele, a Domicília (é esse mesmo o nome). Ele disse que ela estava bem, mas continuava com “aquele problema”. “Coitada, ainda não teve jeito?” “Nada, já fizemos de tudo, mas nada adianta.” Eu, quieto. Quando o Carvalho saiu, a Cecília vira-se para mim e diz: “Coitada da Domicília, com esse problema de beber...” “Como, Cecília? Que coisa horrível! Quem diria, a mulher do Carvalho! Que tristeza!” E ela: “Peraí, Maurício, também não é tanto assim...” “Como não é tanto assim? A bebida é uma desgraça!”
A Cecília se divertia comigo, mas desta vez eu não tive culpa. Ela, no meio de mais um acesso de riso, esse bem escandaloso, esclareceu-me que o problema era “de bebê”, isto é, de não poder ter filhos. Mas isso era jeito de falar?
Outro que apareceu na salinha foi o Selso. Com S, mesmo. Um arquiteto gaúcho meio pavio curto, que sempre dizia que não dava gorgeta para ninguém porque quando ele fazia o serviço dele não recebia gorgeta... por que daria para os outros?
Esse já entrou surtando, quase querendo me dar porrada, e eu inocente de pai e mãe. Ele reclamando que eu estava cantando a mulher dele, que ela telefonou para lá e eu fiquei fazendo insinuações. Ainda bem que meu anjo da guarda estava ali e presenciou o telefonema, viu que não houve nada, que eu tratei a madame Selso muito bem, e foi testemunha a meu favor. Cecília só riu depois que ele saiu. Dias depois, Sel-o voltou pedindo-me desculpas pelo que havia feito. Mas já havia feito.
E Cecília: “Mas logo você, Maurício?” 
Até hoje não sei se aquilo foi um elogio, ou se me chamou de banana.
Um dia mal entrei na sala, ela perguntou-me se a Paulina estava viajando. Disse-lhe que sim, que ela tinha ido ao Rio. "Logo vi" - ela disse. “Por que?” perguntei curioso. “Porque ela não teria deixado você sair de casa para trabalhar com uma calça lilás e uma camisa verde. Está parecendo um periquito australiano”.
Outra vez, Paulina devia também estar viajando, fui de calça marron e a própria: camisa verde, outra vez. Ela não conversou: “Veio de palmeira, hoje?”
Era assim que ela tratava o chefe.
Mas ela também fazia das dela. Apareceu lá na salinha com um sapato de cada cor. Ou uma meia, sei lá.
Cecília deve estar lendo esse blog.

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