quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O LINCOLN AZUL E O CITROËN NEGRO

           
            No 21 morava uma família legal. Vizinhos das “meninas” do 23. Deviam ser ricos, pois tinham um Lincoln Zephir 1939, azul claro - e chofer, numa época em que ninguém tinha nem carro, mesmo os remediados da vida. O Lincoln era, como é até hoje, uma marca de classe e bom gosto. De vez em quando eu ia lá, fazer não sei o quê, mas me dava bem mesmo era com o motorista, um rapaz novo, brincalhão e muito simpático. Não me lembro o nome dele. Passávamos horas conversando, enquanto ele espanava interminavelmente o carro, que estava sempre com um brilho impecável. Sempre gostei de automóveis, e tinha muita vontade de ao menos entrar no reluzente Lincoln Zephir, mas ele nunca me foi franqueado.
Um dia, à noite, enquanto todos dormiam, escutei um ruído característico e constante de motor de arranque. Eu sabia que o chofer não estava lá, pois ele não morava na casa. Além disso, ninguém mais sabia dirigir. Banquei o detetive e fui lá ver quem estava mexendo no carro. Não era ninguém. O interruptor em curto fez o arranque disparar e a fiação do Lincoln estava já começando a pegar fogo. Gritei, toquei a campainha até aparecer alguém. Saíram apavorados, sem saber o que fazer, e chamaram a polícia. Mas fui eu quem levantou o capô do carro, arrancou os fios e abafou o fogo com uns panos. Pronto, desde aquele dia virei herói. Mas nem assim consegui entrar no carro.




O Citroën Negro
No caso do Lincoln não foi a única vez em que banquei o detetive. De outra vez, apareceu estacionado na rua, em frente ao 7, um Citroën. Até ai, nada. Só que passaram-se dois, três, quatro dias, uma semana, o Citroën firme. Depois de uns dez dias, escrevi um bilhete, com letra de imprensa, gozando o dono do carro, como se  eu fosse o ladrão, dobrei-o e joguei no assento da frente, por uma fresta no vidro mal fechado. Depois, telefonei para a polícia dizendo que tinha um carro estacionado há dias e que eu achava que era roubado. Horas depois, lá estava a polícia, o dono do carro e todo o aparato. Um policial disse: “Não deixe ninguém mexer em nada, que tem um bilhete no banco da frente.” Diverti-me, vendo-o pegar o bilhete com uma pinça, atrás de impressões digitais. É claro que eu as havia apagado.
Virei herói de novo. O dono do Citroën mandou que eu fosse no dia seguinte ao escritório dele, no centro da cidade, e lá me deu um abraço e mil cruzeiros, o que talvez correspondesse a mil reais, hoje em dia. Fui com um amigo, que no ato me pediu emprestado duzentos cruzeiros, os quais jamais vi. Mas oitocentos cruzeiros era muito dinheiro na mão de um menino de quinze anos, por isso não me chateei muito.

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