quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O BANQUETE

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Estava frio. Caía uma chuvinha miúda, tornando a tarde mais silenciosa do que já era. Eu estava envolto em lãs, tantas quantas me cabiam, e seria até um momento agradável e aconchegante, não fosse aquele início de gripe que me espalhava uma dor característica por todo o corpo, da cabeça aos pés. Mas eu tinha agasalhos e me sentia feliz não só por tê-los, como pelo abrigo da minha casa, pelo conforto da minha família, enfim - tudo de bom que me rodeava suplantava em muito o mal estar da minha gripe...
Ali estava sem vontade de fazer nada de útil ou de inútil, como se apenas esperando a gripe passar. Estava sozinho. Todos haviam saído, por uma ou outra necessidade. Por isso, quando ouvi a campainha da porta, logo pensei em um jeito de esquivar-me de abri-la. Não havia. Gemendo por dentro, deixei o calor aconchegante da poltrona e fui ver quem ousava importunar o meu estado febril.
Era um garoto, de mais ou menos dez anos. Pedia-me café com pão. Garoto comum, pobre, mas relativa-mente sadio, mostrando em seus olhos a inocência de sua pouca idade. Só de vê-lo todo molhado, de calção e camiseta, pareceu-me piorar da gripe.
Resolvi atender o seu pedido com um café reforçado. Mandei-o entrar e o servi, na ponta da mesa, uma “lauta” média com pão e manteiga. Por sinal, o único pão que havia restado da nossa última refeição. Ele co-meu meio desconfiado: não esperava tanto. Depois, já de barriga quente agradeceu com um sorriso aberto, desses que só as crianças conseguem externar. E se foi.
Voltei às cobertas, pensando no tempo que seria necessário para novamente me aquecer. Pelo menos era uma questão de tempo, e isso eu tinha, tanto quanto as cobertas necessárias para conseguir meu conforto.
Mas nem cheguei a aquecer-me. A campainha tocou outra vez. Eu, por não estar ainda convenientemente aninhado, levantei-me agora mais facilmente. Era o garotinho novamente, mas já não estava sozinho. Vinha agora com mais seis, todos mais ou menos da sua idade, todos mais ou menos da sua pobreza: molhados e descalços. Tentavam dissimular um sorriso, prendendo na boca a travessura combinada.
 Meu convidado tomou a iniciativa:
- Eles também “qué” café.
Era uma aventura diferente para eles. Mais pela novidade do que pela fome ou frio, estavam ali sufocando o riso. Queriam uma coisa diferente? Pois eu lhes daria. Poria aqueles meninos em volta da mesa e lhes ofereceria um banquete: café, leite, e... só então me lembrei do pão inexistente. Disse-lhes que não tinha mais pães e que me era impossível sair para comprá-los.
Com um “peraí, moço”, um deles saiu correndo para voltar dali a pouco puxando o padeiro pela bicicleta, com o qual cruzara um pouco antes.
A mesa foi posta, o leite fervido, o banquete servido. Já agora convenientemente desinibidos, serviam-se à vontade, enquanto tinham asseguradas nos pãezinhos frescos fartas camadas de manteiga...
Saíram depois em bando, rindo e correndo no me-io da chuva, enquanto eu voltava às minhas cobertas, com a certeza de que aquelas sete alminhas, com sua alegria, haviam me ofertado muito mais do que eu a eles, com meus pães...

Pois é...
Esta história começou verdade... Mas logo desçambou para a fantasia.
Cai a chuvinha, realmente, e eu estou confortavelmente gripado. É certo que a campainha tocou há pouco e lá estava o menino sadio, molhado e descalço.
Pediu-me café. Eu disse-lhe que não tinha. Ele perguntou-me: “Nem um pão?” Respondi-lhe que não, maquinalmente... até com certo carinho, como que a justificar o meu comodismo.
Eu tinha café. Eu tinha pão.
Ele não ficou aborrecido comigo. Voltando-me as costas, certamente conseguiu o pão com meu vizinho.

Cada segundo que se escoa jamais volta.
Pensando assim, senti que aquela oportunidade eu havia perdido para sempre...

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